Acontecer
Rasgo as ondas
risco o vento
trago um mar revolto
um rombo
no meu peito.
Raspo as asas no lençol de estrelas
de uma noite branca.
Sei que um dia destes
hei
de acontecer.
José Fanha
quinta-feira, 29 de junho de 2017
terça-feira, 27 de junho de 2017
1488 (do amor) - Endechas a Barbara escrava
Endechas a Barbara escrava
A üa cativa com quem
andava d´amores na Índia chamada bárbora
Aquela
cativa,
que me
tem cativo,
porque nela vivo,
porque nela vivo,
já não
quer que viva.
Eu nunca vi rosa,
Eu nunca vi rosa,
que em suaves molhos,
que para meus olhos,
que para meus olhos,
fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
nem no céu estrelas,
me parecem belas,
me parecem belas,
como os meus amores.
Rosto singular,
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
pretos e cansados,
mas não de matar.
üa graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora,
para ser senhora,
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião,
perde opinião,
que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura,
que a neve lhe jura,
que trocara a cor.
Leda mansidão,
Leda mansidão,
que o siso acompanha:
bem parece estranha,
bem parece estranha,
mas bárbara não.
Presença serena,
que a tormenta amansa:
nela enfim descansa,
nela enfim descansa,
toda a minha pena.
Esta é a cativa,
Esta é a cativa,
que me tem cativo,
e, pois nela vivo,
é
força que vivae, pois nela vivo,
Luís de Camões
segunda-feira, 12 de junho de 2017
1487 (da condição humana) - Travessia do Deserto
Travessia do deserto
Que viagem tão comprida!
Que deserto tão grande
Sem fronteira nem medida!
Águas do pensamento
Vinde regar o sustento
Da minha vida.
Este peso calado
Queima o sol por trás do monte
Queima o tempo parado
Queima o rio com a ponte.
Águas dos meus cansaços
Semeai os meus passos
Como uma fonte.
Ai que sede tão funda!
Ai que fome tão antiga!
Quantas noites se perdem
No amor de cada espiga!
Ventre calmo da terra
Leva-me na tua guerra
Se és minha amiga.
José Mário Branco
quinta-feira, 1 de junho de 2017
1846 (do espanto de existir) Pára-me de repente o Pensamento ...
SONETO
Pára-me de repente o Pensamento ...
- Como que de repente refreado
Na Douda Correria em que levado ...
- Anda em busca da paz, do esquecimento...
Pára Surpreso... Escrutador... Atento
Como pára... um Cavalo Alucinado
Ante um Abismo... ante seus pés rasgado...
Pára... e Fica... e Demora-se um Momento...
Vem trazido na Douda Correria
Pára à beira do Abismo e se demora
E Mergulha na Noite, Escura e Fria
Um olhar d'Aço que na Noute explora...
- Mas a Espora da dor seu flanco estria...
- E Ele Galga... e Prossegue... sob a Espora!
Pára-me de repente o Pensamento ...
- Como que de repente refreado
Na Douda Correria em que levado ...
- Anda em busca da paz, do esquecimento...
Pára Surpreso... Escrutador... Atento
Como pára... um Cavalo Alucinado
Ante um Abismo... ante seus pés rasgado...
Pára... e Fica... e Demora-se um Momento...
Vem trazido na Douda Correria
Pára à beira do Abismo e se demora
E Mergulha na Noite, Escura e Fria
Um olhar d'Aço que na Noute explora...
- Mas a Espora da dor seu flanco estria...
- E Ele Galga... e Prossegue... sob a Espora!
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- Ângelo de Lima
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- "Poesias Completas, Assírio e Alvim, 1991, p. 55
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