Eu hei-de envelhecer assim
Eu hei-de envelhecer assim,
a fugir à frente dó tempo, sem parar,
a correr atrás do tempo, sem conseguir?
Eu hei-de envelhecer assim,
a sonhar, por ofício, um mês de Abril
cada dia mais distante?
Eu hei-de envelhecer assim,
ao tilintar de telefones e telexes
sem· silêncio para a música e para amar?
Eu hei-de envelhecer assim,
a matar, com afinco, diariamente,
o poeta que em mim ainda não morreu?
Eu hei-de envelhecer assim,
neste enredo de julgamentos e notícias,
sem a mão estendida do meu filho pequeno?
Eu hei-de envelhecer assim,
o fumo das reuniões, as pastas, os papéis
- e a alma, ferida, na gaveta fechada?
Eu hei-de envelhecer assim,
a vida escoando-se, esquálida, nesta sala,
e o sol, como um pássaro, nas árvores da Avenida?
Eu hei-de envelhecer assim,
lá fora a luz da tarde, o riso das raparigas,
o crepitar da cidade,
e eu aqui dentro,
longe de mim e do meu centro,
longe do mar, longe do sol, longe do vento?
JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS
de Repórter do Coração
Ed. Asa
voz - Cristina Paiva
música - Matmos
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Ana Eustáquio