sábado, 20 de fevereiro de 2016
49 - (Do amor) - Presságio
Presságio
O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Fernando Pessoa
24/04/1928
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
48 - (Da condição humana) A ilha
A ilha
Olhamos tudo em silêncio na linha da praia
De olhos na noite suspensos do céu que desmaia;
Ai lua nova de Outubro, trazes as chuvas e ventos,
A alma a segredar, a boca a murmurar tormentos!
De olhos na noite suspensos do céu que desmaia;
Ai lua nova de Outubro, trazes as chuvas e ventos,
A alma a segredar, a boca a murmurar tormentos!
Descem de nuvens de assombro taínhas e bagres
Se as aves embalam os peixes em certos milagres;
Levita-se o corpo da alma, no choro das ladainhas,
Na reza dos condenados, nas pragas dos sitiados,
Se as aves embalam os peixes em certos milagres;
Levita-se o corpo da alma, no choro das ladainhas,
Na reza dos condenados, nas pragas dos sitiados,
Na ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
Livra-me da fome que me consome, deste frio;
Livra-me do mal desse animal que é este cio;
Livra-me do fado e se puderes abençoado
Leva-me a mim a voar pelo ar!
Livra-me do mal desse animal que é este cio;
Livra-me do fado e se puderes abençoado
Leva-me a mim a voar pelo ar!
Como se houvesse um encanto, uma estranha magia,
O sol lentamente flutua nas margens do dia.
Despe o meu corpo corsário, seca-me a veia maruja,
Morde-me o peito aos ais, das brigas, dos punhais,
O sol lentamente flutua nas margens do dia.
Despe o meu corpo corsário, seca-me a veia maruja,
Morde-me o peito aos ais, das brigas, dos punhais,
Da ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.
Andamos nus e descalços, amantes, sedentos
Se o véu da noite se deita na curva do tempo.
Ai lua nova de Outubro,
Os medos são medos das chuvas e ventos,
Da alma a segredar, da boca a murmurar
AdeusSe o véu da noite se deita na curva do tempo.
Ai lua nova de Outubro,
Os medos são medos das chuvas e ventos,
Da alma a segredar, da boca a murmurar
Fausto Bordalo Dias
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