segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

303 - Dedicado a amigos especiais...

O último post deste ano tem uma dedicatória especial.
Um amigo de já longa data, mandou-me estas fotos de 2 passaros que visitaram o seu jardim.
Como uma imagem para além de valer por mil palavras também pode estar carregada de poesia, faz todo o sentido

fotos tiradas por Peter Milford














Prenúncio de Primavera
De novas vidas
De novos voos
Lentamente
Timidamente
A Primavera virá
Virá

domingo, 30 de dezembro de 2007

302 - Era inevitável...















É um "cliché" quase inevitável, por estas alturas do ano, fazer um balanço do dito!
Quem sou eu para fugir à regra, numa coisa que até gosto de fazer?

Vamos então a isso.

Aspectos positivos:
- experiências muito positivas e gratificantes na Gronelândia e Irlanda. Afinal o reconhecimento do valor daquilo que vamos fazendo é sempre algo que nos faz bem ouvir e sentir.
- As férias grandes - tempo de relax e de carregar baterias. As idas a Paris e praia pelos Algarves.
- As formações que orientei em Bibliotecas Escolares (Loures, Olivais, Azambuja, Benavente, Alcochete, DGIDC, ...) Foram experiências muito gratificantes de troca de experiências e de reflexão em conjunto sobre algo que me é querido. Penso que correram muito bem.
- Algumas das tarefas realizadas no Gabinete
- Amizades que se foram mantendo e outras que foram nascendo

Aspectos negativos:

Bom, como dizia Camões
"do mal ficam as mágoas na lembrança"
---
Aditamento (1 hora depois da publicação)
Não posso deixar de referir como negativo todas as mudanças na educação que não têm feito nenhum sentido nem garantem um melhor ensino nem melhores aprendizagens. No topo do fundo está o concurso de professor titular e tudo o que isso implicou.
---

A propósito de balanços de ano e de esperanças num futuro, fica muito bem este poema do qual só hoje tomei conhecimento a propósito da bonita foto de uma cigana tirada há 50 anos...


poema social

quero o orgulho desta criança
para enfrentar a vida,
o seu ar de desafio, o sabor
das tristezas que transporta
no olhar penetrante
por entre as farripas dos cabelos.
quero o seu aprumo sem família
contra o mundo.

talvez amanhã seja puta, drogada ou mesmo milionária
coberta de esmeraldas,
batedora de records de atletismo
ou simplesmente secretária,
empregada de balcão
a sonhar-se miss qualquer coisa
e a desprezar quem na esqueceu.
talvez dê em mulher-polícia, persiga irmãos e primos,

ou venda bugigangas pelas feiras
e cortes de fazenda , talvez me leia a sina
com um criança ranhosa nos braços
e a fala estropiada. ou talvez saiba os nomes das estrelas,
se doutore em física quântica no instituto max planck,
seja médica anestesista, actriz numa novela de subúrbio,
revolucionária de metralhadora em punho,
bailarina de cabaret a esvoaçar.
seja o que for, eu quero.
quero o seu brilho nos olhos,
a sua boca firme, o seu
cabelo em desalinho, os seus
andrajos, o todo mendicante às três pancadas,
a intimidar-me com a terrível experiência
da vida que já tem, da infância que nunca teve,
dos silêncios medidos de ter brincar aos adultos.

quero, just in case. não sei se muda o mundo.


Vasco Graça Moura, giraldomachias, onze poemas e um labirinto sobre fotografias de gérard castello-lopes

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

301 - Ou tudo ou nada













Amar ou Odiar

Amar ou odiar
Ou tudo ou nada
O meio termo é que não pode ser
A alma tem de estar sobressaltada
Para o nosso barro sentir, viver
Não é uma Cruz que não se queira pesada
Metade de um prazer, não é um prazer!
E quem quiser a vida sossegada
Fuja da vida e deixe-se morrer!
Vive-se tanto mais quanto se sente
Todo o valor está no que sofremos
Que nenhum homem seja indiferente!
Amemos muito como odiamos já!
A verdade está sempre nos extremos
Pois é no sentimento que ela está.

Fausto Guedes Teixeira

sábado, 22 de dezembro de 2007

299 - fantasia





















"Nella Fantasia"

Nella fantasia io vedo un mondo giusto,
Li tutti vivono in pace e in onestà.
Io sogno d'anime che sono sempre libere,
Come le nuvole che volano,
Pien' d'umanità in fondo all'anima.

Nella fantasia io vedo un mondo chiaro,
Li anche la notte è meno oscura.
Io sogno d'anime che sono sempre libere,
Come le nuvole che volano.

Nella fantasia esiste un vento caldo,
Che soffia sulle città, come amico.
Io sogno d'anime che sono sempre libere,
Come le nuvole che volano,
Pien' d'umanità in fondo all'anima.

[English translation:]

In my fantasy I see a just world
Where everyone lives in peace and honesty
I dream of a place to live that is always free
Like a cloud that floats
Full of humanity in the depths of the soul

In my fantasy I see a bright world
Where each night there is less darkness
I dream of souls that are always free
Like the cloud that floats

In my fantasy exists a warm wind
That breathes into the city, like a friend
I dream of souls that are always free
Like the cloud that floats

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

298 - Nunca mais é sábado














Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acbou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Chico Buarque
Consstrução

domingo, 16 de dezembro de 2007

297 - Pátria longínqua















Que mundo estranho é este
Em que me vejo e ouço?
Ou, que estranho sou eu
Que não o reconheço?
Que mundo estranho sou eu,
Que não me reconheço?

Que estranho sou eu?
Que não me encontro
Neste estranho mundo,
Que não conheço
Nem reconheço
Mas permaneço?

Que estranho mundo é este
Em que não me reconheço?
Ou que estranho sou eu
Que não me conheço?
Que estranho mundo sou eu,
E nele permaneço?

Que estranho eu sou este
Em que não me vejo nem me ouço?
Neste mundo que conheço
E no qual permaneço
Reconheço?
Não me reconheço?

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

296 - E por vezes



















E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

David Mourão Ferreira

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

295 - Espírito Natalício III



















No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece

Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lhe a mão. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece")
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.

Fernando Pessoa

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

294 - Espírito Natalício II




The universal soldier
He's five feet two and he's six feet four
He fights with missiles and with spears
He's all of 31 and he's only 17
He's been a soldier for a thousand years

He's a Catholic, a Hindu, an atheist, a Jain,
a Buddhist and a Baptist and a Jew
and he knows he shouldn't kill
and he knows he always will
kill you for me my friend and me for you

And he's fighting for Canada,
he's fighting for France,
he's fighting for the USA,
and he's fighting for the Russians
and he's fighting for Japan,
and he thinks we'll put an end to war this way

And he's fighting for Democracy
and fighting for the Reds
He says it's for the peace of all
He's the one who must decide
who's to live and who's to die
and he never sees the writing on the walls

But without him how would Hitler have
condemned him at Dachau
Without him Caesar would have stood alone
He's the one who gives his body
as a weapon to a war
and without him all this killing can't go on

He's the universal soldier and he
really is to blame
His orders come from far away no more
They come from him, and you, and me
and brothers can't you see
this is not the way we put an end to war.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

293 - Espírito Natalício I



The Unknown soldier

Wait until the war is over
And were both a little older
The unknown soldier
Breakfast where the news is read
Television children fed
Unborn living, living, dead
Bullet strikes the helmets head
And its all over
For the unknown soldier
Its all over
For the unknown soldier
Hut
Hut
Hut ho hee up
Hut
Hut
Hut ho hee up
Hut
Hut
Hut ho hee up
Compnee
Halt
Preeee-zent!
Arms!
Make a grave for the unknown soldier
Nestled in your hollow shoulder
The unknown soldier
Breakfast where the news is read
Television children fed
Bullet strikes the helmets head
And, its all over
The war is over
Its all over
The war is over
Well, all over, baby
All over, baby
Oh, over, yeah
All over, baby
Wooooo, hah-hah
All over
All over, baby
Oh, woa-yeah
All over
All over
Heeeeyyyy

Jim Morrison

domingo, 9 de dezembro de 2007

292 - encontro / desencontro



















Síntese deste fim de semana:
"a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida"
Vinícius de Moraes

sábado, 8 de dezembro de 2007

291 - 25 anos (eu vim de longe)



















25 anos se passaram...
vistas as fotos fica-se mesmo com a noção de que é uma vida inteira. Muito se andou para aqui chegar. Mais fortes, mais serenos, tantos caminhos cruzados e muitos outros que não se fizeram...
No entanto um caminho se foi fazendo

Pena é já faltarem alguns

Venham os próximos 25


Eu vim de longe
de muito longe
o que eu andei p'ra'qui chegar
Eu vou p'ra longe
p'ra muito longe
onde nos vamos encontrar
com o que temos p'ra nos dar

E então olhei à minha volta
vi tanta esperança andar à solta
que não exitei
e os hinos cantei
foram feitos do meu coração
feitos de alegria e de paixão

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

290 - A escura noite...











Cuando se cierran mis ojos
Lloro mi vida perdida
La noche se quedó
La suerte me olvidó

Pasan los días, las noches
Puede la muerte levarme
E nada cambiará
Amor no volverá

Voy por la calle tan sola
Habo un camino infinito
Desoxida de amor
Me alejo in mí dolor

Pasan los días las noches
Puede la muerte levarme
E nada cambiará
Amor no volverá

Rodrigo Leão
Noche

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

289 - Tem lógica




















Num tempo em que os horários dos professores estão superpreenchidos com horas para isto e horas para aquilo que em nada contribuem para o sucesso dos alunos, nem para que os porfessores sejam melhores professores, mas apenas para calar certa opinião pública e publicada, faz todo o sentido o texto abaixo.
Ainda para mais quando se vê que apesar de todo o tempo dispendido na escola, o professor tem que chegar a casa e, à noite, preparar as suas aulas até às tantas...

Onde está o prémio para o melhor professor?


O Não Professor do Ano

By Pata Negra



Faço projectos, planos, planificações;
Sou membro de assembleias, conselhos, reuniões;
Escrevo actas, relatórios e relações;
Faço inventários, requerimentos e requisições;
Escrevo actas, faço contactos e comunicações;
Consulto ordens de serviço, circulares, normativos e legislações;
Preencho impressos, grelhas, fichas e observações;
Faço regimentos, regulamentos, projectos, planos, planificações;
Faço cópias de tudo, dossiers, arquivos e encadernações;
Participo em actividades, eventos, festividades e acções;
Faço balanços, balancetes e tiro conclusões;
Apresento, relato, critico e envolvo-me em auto-avaliações;
Defino estratégias, critérios, objectivos e consecuções;
Leio, corrijo, aprovo, releio múltiplas redacções;
Informo-me, investigo, estudo, frequento formações;
Redijo ordens, participações e autorizações;
Lavro actas, escrevo, participo em reuniões;
E mais actas, planos, projectos e avaliações;
E reuniões e reuniões e mais reuniões!...

E depois ouço,
alunos, pais, coordenadores, directores, inspectores,
observadores, secretários de estado, a ministra
e, como se não bastasse, outros professores,
e a ministra!...

Elaboro, verifico, analiso, avalio, aprovo;
Assino, rubrico, sumario, sintetizo, informo;
Averiguo, estudo, consulto, concluo,
Coisas curriculares, disciplinares, departamentais,
Educativas, pedagógicas, comportamentais,
De comunidade, de grupo, de turma, individuais,
Particulares, sigilosas, públicas, gerais,
Internas, externas, locais, nacionais,
Anuais, mensais, semanais, diárias e ainda querem mais?
- Que eu dê aulas!?...


---
Ah, o texto chegou-me por mail... não posso citar melhor o(a) autor(a)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

288 - balada do amor militante (3 de Dezembro)



















Balada do Amor Militante

O nosso amor é de combate. De coragem.
O nosso amor é de saudade. De cidade.
Amor sem casa amor sempre em viagem
o nosso amor é esta eternidade
de passagem.

O nosso amor é um rocinauta que não pára.
O nosso amor é de partido. De partidas.
Amor rebelde amor guerrilha amor Guevara
O nosso amor é de contínuas despedidas.

Deixa-me cantar uma canção de viajante
o nosso amor é sem rotina sem torpor
amor de todo o tempo num instante
amor por vezes sem amor
este amor militante.

(pp.228, Manuel Alegre, 30 Anos de Poesia, 1995, Lisboa: Dom Quixote)

domingo, 2 de dezembro de 2007

287 - ponto de fuga



















Foge comigo Maria
Para longe desta terra
Meu amor, p´ra toda a vida
É a paixão que nos leva

Se tu fosses girassol,
Eu seria beija-flor
Nesta cama sem lençol,
Se repete o nosso amor

Foge comigo Maria
Morre comigo Maria

Deita fora esse lenço,
Não te quero a chorar
Se o teu pai é burro-velho,
Só nos resta não voltar

De quem são estas palavras
Que me escreves meu amor
Se o vento seca as lágrimas
Não me cala esta dor...

Foge comigo Maria
Morre comigo Maria
Foge comigo Maria, já

António Manuel Ribeiro

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

286 - o que eu vou dizer...

















Amor Amigo

O que eu vou dizer, você nunca ouviu de mim
Pois minha timidez não me deixou falar por muito tempo
Para mim você é a luz que revela os poemas que fiz
Quem conhece da terra e do sol
Muito sabe os mistérios do mar

O que eu vou dizer, você nunca ouviu de mim
Pois quieto que sou só sabia sangrar, sangrar cantando
Quantas vezes eu quis me abrir
e beijar e abraçar com paixão, mas as palavras
que devia usar fugiam de mim recolhidas na minha prisão

(Mas) O que eu vou dizer, você nunca ouviu de mim
Pois minha solidão foi não falar, mostrar vivendo.
Quantas vezes eu quis me abrir
e as portas do meu coração sempre pediam
Seu amor é meu sol e sem ele eu não saberia viver


Milton Nascimento

terça-feira, 27 de novembro de 2007

285 - A um mês do Natal















Canção do Sal


Trabalhando o sal é amor é o suor que me sai
Vou viver cantando o dia tão quente que faz
Homem ver criança buscando conchinhas no mar
Trabalho o dia inteiro pra vida de gente levar

Água vira sal lá na salina
Quem diminuiu água do mar
Água enfrenta sol lá na salina
Sol que vai queimando até queimar

Trabalhando o sal pra ver a mulher se vestir
E ao chegar em casa encontrar a família sorrir
Filho vir da escola problema maior é o de estudar
Que é pra não ter meu trabalho e vida de gente levar

Milton Nascimento

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

284 - Definição de saudade II















Saudades

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca

domingo, 25 de novembro de 2007

283 - A um mês do Natal


















A um mês de Natal faz sentido reler o sentido da Festa


Citando Isaias 11

1Do cepo de Jessé brotará um rebento, e das suas raízes frutificará um ramo. [...] Não julgará segundo as aparências, nem por ouvir dizer.
4Castigará a terra com a vara da sua palavra, e com o sopro da sua boca condenará à morte a gente má. Pelo contrário, defenderá com justiça os pobres e com equidade os explorados.
5Porque se revestirá de justiça e de verdade na cintura e no tronco.
6Nesse dia o lobo e o cordeiro deitar-se-ão juntos, o leopardo e o cabrito viverão em paz; bezerros e gordas ovelhas estarão em segurança no meio de leões, e uma criança os guiará.
7Os bois pastarão juntamente com os ursos, enquanto os respectivos filhotes ficarão deitados uns com os outros. Também o leão comerá erva como os bois.
8Haverá bebés gatinhando sem perigo por entre serpentes venenosas, e crianças que põem despreocupadamente a mão dentro dum ninho de víboras, retirando-a depois sem a mínima mordedura."



Sem perder a esperança nesse dia penso que me contentaria com a concretização do texto de D. Helder da Camâra

Mariama, Nossa Senhora, mãe de Cristo e Mãe dos homens!

Mariama, Mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores, de todos os cantos da Terra.

Pede ao teu filho que esta festa não termine aqui, a marcha final vai ser linda de viver.

Mas é importante, Mariama, que a Igreja de teu Filho não fique em palavra, não fique em aplauso.

Não basta pedir perdão pelos erros de ontem. É preciso acertar o passo de hoje sem ligar ao que disserem.

Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão. É Evangelho de Cristo, Mariama.

Claro que seremos intolerados.

Mariama, Mãe querida, problema de negro acaba se ligando com todos os grande problemas humanos.

Com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões.

Mariama, que se acabe, mas se acabe mesmo a maldita fabricação de armas. O mundo precisa fabricar é Paz. Basta de injustiça!

Basta de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar.

Basta de alguns tendo que vomitar para comer mais e 50 milhões morrendo de fome num só ano.

Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia.

Mariama, Senhora Nossa, Mãe querida, nem precisa ir tão longe, como no teu hino. Nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e o pobres de mãos cheias. Nem pobre nem rico.

Nada de escravo de hoje ser senhor de escravo de amanhã. Basta de escravos. Um mundo sem senhor e sem escravos. Um mundo de irmãos.

De irmãos não só de nome e de mentira. De irmãos de verdade, Mariama.

D. Hélder Câmara

Extraído do texto da Missa dos Quilombos

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

282 - definição de saudade

Não raras vezes, quando falo com gente de outras nacionalidades, o tema repete-se: "o que é a saudade?" perguntam-me...
Claro que gosto de falar sobre o assunto e sobre esta palavra/sentimento tão nossa, mas, aos poucos percebo que lhes podereia devolver a questão perguntando: "O que é o amor?"
Tento a comparação, Ah "wind" está para "missing" assim como "hurricane" está para "saudade". É forte, é pensamento, envolve-nos, limita-nos, tolhe-nos os movimentos, o corpo e a alma, e...


Pedaço de Mim
Chico Buarque

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

281 - O teu sorriso



















Tira-me o pão,
se quiseres,tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por verque a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,do dia, da lua,
ri-te das ruas tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro rapaz que te ama,
mas quando abro os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

O Teu Riso (Pablo Neruda)

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

280 - retrato dos tempos que correm



















Poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
ratos

Alexandre O'Neil

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

279 - canta-nos uma canção :-)








a la puerta de mi amor
hay un lazo de algodón
todos passan y no se quedan
solo yo me quedo en prisón

tu que durmes en la ribera
acaso me podrás decir
cuantas horas duerme el água
antes de amanecer

tenho no quintal um limoeiro
junto ao canteiro da hortelã
ele dá limões o ano inteiro
eu em troca rego toda as manhãs

eu em troca rego todas as manhãs
isto é se não chover primeiro
junto ao canteiro da hortelã
tenho no quintal um limoeiro

la nostalgia hace sufrir
aún así la quiero bien
una nostalgia en la vida
pobre de quine no la quiere.

"o limoeiro" in "terra de abrigo"

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

278 - foi lindo de facto...















Oh Danny Boy, the pipes, the pipes are calling
From glen to glen, and down the mountainside.
The summer's gone, and all the roses falling
'Tis you, 'tis you must go and I must bide.
But come ye back when summer's in the meadow
Or when the valley's hushed and white with snow,
For I'll be here in sunshine or in shadow.
Oh Danny Boy, oh Danny Boy, I love you so.
And when ye come, and all the flowers are dying,
If I am dead, as dead I well may be,
Ye'll come and find the place where I am lying
And kneel and say an Ave there for me.
And I shall hear, though soft you tread above me,
And o'er my grave shall warmer, sweeter be,
And if you bend and tell me that you love me,
Then I shall sleep in peace until you come to me.


From Wikipedia, the free encyclopedia

Song
Published 1913
Genre Ballad, Irish folk
Writer Frederick Weatherly (Lyrics)
For the Scottish comedian, see Danny Bhoy.
For the House of Pain MC, see Danny Boy (singer).
For the Chicago-born African-American soul singer, see Danny Boy (artist).
"Danny Boy" is a song , whose lyrics are set to the Irish tune Londonderry Air. The lyrics were originally written for a different tune in 1910 by Frederick Weatherly, an English lawyer who never actually visited Ireland, and modified to fit Londonderry Air in 1913. The first recording was made by Ernestine Schumann-Heink in 1915. Weatherly gave the song to Elsie Griffin, who made it one of the most popular in the new century. Weatherly later suggested in 1928 that the second verse would provide a fitting requiem for the actress Ellen Terry.

The song is widely considered an Irish anthem, and the tune is used as the anthem of Northern Ireland at the Commonwealth Games, even though the song's writer was not Irish, and the song was and is more popular outside Ireland than within. It is nonetheless widely considered by Irish Canadians/Americans to be their unofficial signature tune. It is frequently included in the organ presentation at Irish-American funerals.

Though the song is supposed to be a message from a woman to a man (Weatherly provided the alternative "Eily dear" for male singers in his 1918 authorized lyrics [1]), the song is actually sung by men as much as, or possibly more often than, by women. The song has been interpreted by some listeners as a message from a parent to a son going off to war or leaving as part of the Irish diaspora.

domingo, 11 de novembro de 2007

277 - Mar sem fim















Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen - Mar Sonoro

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

276 - Meu pensamento


















Meu pensamento
partiu no vento
podem prendê-lo
matá-lo não

Meu pensamento
quebrou amarras
partiu no vento
deixou guitarras

Meu pensamento
por onde passas
estátua de vento
em cada praça

Foi à onquista
de um novo mundo
foi vagabundo
contrbandista

foi marinheiro
maltês ganhão
foi prisioneiro
mas servo não

E os reis mandaram
fazer muralhas
tecer as malhas
de negras leis

homens morreram
chamas ao vento
por ti morreram
meu pensamento

terça-feira, 30 de outubro de 2007

275 - Mesmo se não tivesse corpo...

Hoje isto não me sai da cabeça... Que hei-de fazer? sou assim...



















Estátua de Rodin - Pensamento)


Quem poderá domar os cavalos do vento
Quem poderá domar este torpel
Do pensamento à flor da pele
Quem poderá calar a voz do sino triste
Que diz por dentro do que não se diz

Manuel Alegre
As minhas desculpas ao autor pela truncagem)

domingo, 28 de outubro de 2007

274 - Canção da cidade nova

Como no post anterior, referi uma canção que me marcou, decedi manter a linha de pensamento.

Lindíssima, nunca me canso de a ouvir


















Ó navegante do mar do medo
Ouve um instante o meu segredo,
Ó caminhante da noite fria
Ouve um instante minha alegria:

Ao longe longe já aparece
Uma cidade que resplandece
Ao longe longe o sol já vem
Eu já alcanço Jerusalém.

Virá o pobre do mundo inteiro
Há pão que sobre e sem dinheiro
Há pão e vinho em abundância
E o seu caminho é sem distância

Não tem distância esta cidade
Senão o medo que nos invade
Cantai comigo que o sol já vem
Eu já alcanço Jerusalém

Se o mundo cança de tanta guerra
Uma criança nasceu na terra
Um dia novo ela nos traz
Dará ao povo a flor da paz

Surgi depressa que não é cedo
Cantai comigo irmãos do medo
Cantai comigo que o sol já vem
Eu já alcanço Jerusalém

Hoje um menino venceu a morte
Nasceu franzino mas é Deus forte
Será chamado Emanuel
E sustentado de leite e mel

De longe chegam os povos
Vindo à procura de tempos novos
Cantai comigo que o sol já vem
Eu já alcanço Jerusalém

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

273 - As pobres solteiras














Esta foi (é) umas das canções que mais marcaram a minha adolescência. Merece destaque neste espaço. Cantada pelo Francisco Fanhais que também foi (é) um grande companheiro nesta viagem chamada vida.

Elas andam de eléctrico, às vezes de autocarro
e vestem gabardinas mais velhas do que elas.
Cheiram um pouco a chuva, a escuro, a barro,
a naftalina, a piano e à cera das velas.

Elas andam nas ruas mas ninguém dá por elas,
pelos seus grandes dentes, suas magras orelhas,
seus óculos de massa, suas mãos amarelas,
suas blusas velhas, suas saias tão velhas.

E lêem os jornais de manhã à tardinha,
de manhã a manhã como quem ganha o dia,
têm rugas, verrugas e pés de galinha
lançaram-lhes nos olhos uma rede sombria.

Cultivam com ternura plantas e memórias
e os filhos das outras que elas viram nascer,
ou manipulam contas, ou usam palmatórias
para secar as lágrimas que não podem reter.

Têm fome de tudo, têm de tudo sede, têm falhas
de dinheiro, de amigos, de carinho.
aos pares, nas feias meias, caem malhas
e é só nos largos bolsos que as mãos encontram ninho.

Elas sabem que a vida lhes roubou os parentes
e que entre os que estão vivos há animais ferozes
e sentem longe o amor em homens sorridentes
e vêem-no escapar em círculos velozes.

Elas andam de eléctrico, mas também podem ir
de autocarro ou a pé, depressa ou devagar.
E encostam-se aos caixilhos para melhor dormir,
as faces junto aos vidros para poder sonhar.

António Rebordão Navarro

terça-feira, 23 de outubro de 2007

272 - Outono















É quase Outono

Tempo da tristeza ser mais triste

Mas não é o Outono que me entristece:

Quando partires,

É a tua partida que faz do tempo

Tempo de Outono.

(desconheço a autoria do poema)

271 - Uma música de que gosto e que vai fazendo sentido

Nestes últimos dias, olhando para trás, tenho pensado que fez sentido esta canção

Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Ter me rebelado, ter me debatido
Ter me machucado, ter sobrevivido
Ter virado a mesa, ter me conhecido
Ter virado o barco, ter me socorrido
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

270 - No tempo em que os animais falavam II












Na sequência de um post de há meses, resolvi actualizá-lo...


No tempo em que os animais falavam:
Trabalho cooperativo!
Diálogo!
Colaboração!
Abertura a outras ideias!

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

269 - Um dia, há muitos anos atrás, numa aula...

Um dia, há muitos anos atrás, numa aula um professor de que nem simpatizava muito leu-nos um poema que tenho a consciência de que foi o primeiro poema que me marcou.

Hoje trago-o aqui, não porque me sinta objecto dele ou a sua concretização. Aliás, neste momento, nem tempo há para sonhar tal a voracidade do tempo que não chega para tudo, mas trago-o porque a sua beleza me continua a cativar e foi citado por diversas vezes no meu círculo de trabalho.


O SONHO
Pelo sonho é que vamos,
Comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
Pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
Que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
Com a mesma alegria, ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

-Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama, Pelo Sonho é que Vamos

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

268 - perfilados de medo




Nos últimos tempos tenho andado com a sensação de que a loucura invadiu o nosso sistema de ensino e, com a escolha da imagem, não me quero referir apenas ao episódio da covilhã, mas ao medo que invadiu os estabelecimentos de ensino e que hnos leva a pensar duas vezes antes de abrir a boca e, quando tal é absolutamente necessário ficarmos com a noção de que nos "metemos na boca do lobo"
Será que chegaremos a isto... (mais cedo do que pensamos?)

Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
a vida sem viver é mais segura.

Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.

Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido…

ALEXANDRE O’NEILL

---
Ah! mais uma nota a acrescentar a este panorama.
De uma noite para outra, um destes últimos dias, chegou a informação à cerejeira que tenho no meu jardim que começou o Outono.
Caiem-lhes folhas às dezenas. SErá que ela também prefere desistir a ousar?

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

267 - Hoje sinto-me assim
















Á memória de Fernando Pessoa

Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humanidade das bocas.

Vem serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os lábios cheguem à altura dos beijos.

Carrega para a cama dos desempregados
todas as coisas verdes, todas as coisas vis
fechadas no cofre das águas:
os corais, as anémonas, os montros sublunares,
as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.

Vem serenidade,
com o país veloz e viginal das ondas,
com o mart]irio leve dos amantes sem Deus,
com o cheiro sensual das pernas no cinema,
com o vinho e as uvas e o frémito das virgens,
com o macio ventre das mulheres violadas,
com os filhos que os pais amaldiçoam,
com as lanternas postas à beira dos abismos,
e os segredos e os ninhos e o feno
e as procissões sem padre, sem anjos e, contudo,
com Deus molhando os olhos
e as esperanças dos pobres.

Vem, serenidade,
com a paz e a guerra
derrubar as selvagens
florestas do instinto.

Vem, e levanta
palácios na sombra.
Tem a paciência de quem deixa entre os lábios
um espaço absoluto.

Vem, e desponta,
oriunda dos mares,
orquídea fresca das noites vagabundas,
serena espécie de contentamento,
suroresa, plenitude.

Vem dos prédios sem almas e sem luzes,
dos números irreais de todas as semanas,
dos caixeiros sem cor e sem família,
das flores que rebentam nas mãos dos namorados,
dos bancos que os jardins afogam no silêncio,
das jarras que os marujos trazem sempre da China,
dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam
a chegada da força e da vertigem.

Vem, serenidade,
e põe no peito sujo dos ladrões
a cruz dos crimes sem cadeia,
põe na boca dos pobres o pão que eles precisam,
põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.
Vem nos bicos dos pés para junto dos berços,
para junto das campas dos jovens que morreram,
para junto das artérias que servem
de campo para o trigo, de mar para os navios.

Vem, serenidade!
E do salgado bojo das tuas naus felizes
despeja a confiança,
a grande confiança.
Grande como os teus braços,
grande serenidade!

E põe teus pés na terra,
e deixa que outras vozes
se comovam contigo
no Outono, no Inverno,
no Verão, na Primavera.

Vem, serenidade,
para que não se fale
nem de paz nem de guerra nem de Deus,
porque foi tudo junto
e guardado e levado
para a casa dos homens.

Vem, serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de oiro que fugiram da Lua,
com as núvens que proíbem o céu,
vem com o nevoeiro.

Vem com as meretrizes que chamam da janela,
volume dos corpos saciados na cama,
as mil aparições do amor nas esquinas,
as dívidas que os pais nos pagam em segredo,
as costas que os marinheiros levantam
quando arrastam o mar pelas ruas.

Vem serenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte tem todos os direitos.

Lembra-te da miséria dourada dos meus versos,
desta roupa de imagens que me cobre
corpo silencioso,
das noites que passei perseguindo uma estrela,
do hálito, da fome, da doença, do crime,
com que dou vida e morte
a mim próprio e aos outros.

Vem serenidade,
e acaba com o vício
de plantar roseiras no duro chão dos dias,
vício de beber água
com o copo do vinho milagroso do sangue.

Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.

Vem, serenidade!
E pousa, mais serena que as mãos de minha Mâe,
mais húmida que a pele marítima da cais,
mais branca que o soluço, o silêncio, a origem,
mais livre que uma ave em seu voo,
mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo,
mais humana e alegre que o sorriso das noivas,
do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.

Vem serenidade,
para perto de mim e para nunca.
… … ... … ... … … … … … … … … … … … … … … … … … … …
De manhã, quando as carroças de hortaliça
chiam por dentro da lisa e sonolenta
tarefa terminada,
quando um ramo de flores matinais
é uma ofensa ao nosso limitado horizonte,
quando os astros entregam ao carteiro surpreendido
mais um postal da esperança enigmática,
quando os tacões furados pelos relógios podres,
pelas tardes por trás das grades e dos muros,
pelas convencionais visitas aos enfermos,
formam, em densos ângulos de humano desespero,
uma núvem que aumenta a vâ periferia
que rodeia a cidade,
é então que eu peço como quem pede amor:
Vem serenidade!
Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis,
vem, serenidade!

Com as horas maiúsculas do cio,
com os músculos inchados da preguiça,
vem, serenidade!

Vem, com o perturbante mistério dos cabelos,
o riso que não é da boca nem dos dentes
mas que se espalha, inteiro,
num corpo alucinado de bandeira.

Vem serenidade,
antes que os passos da noite vigilante
arranquem as primeiras unhas da madrugada,
antes que as ruas cheias de corações de gás
se percam no fantástico cenário da cidade,
antes que, nos pés dormentes dos pedintes,
a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos,
a revolta semeie florestas de gritos
e a raiva vá partir as amarras diárias.

Vem, serenidade,
leva-me num vagon de mercadorias,
num convés de algodão e borracha e madeira,
na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes,
na carnívora concha do sono.

Leva-me para longe
deste bíblico espaço,
desta confusão abúlica dos mitos,
deste enorme pulmão de silêncio e vergonha.
Longe das sentinelas de mármore
que exigem passaporte a quem passa.
A bordo, no porão,
conversando com velhos tripulantes descalços,
crianças criminosas fugidas à polícia,
moços contrabandistas, negociantes mouros,
emigrados políticos que vão
em busca da perdida liberdade.
Vem, serenidade
e leva-me contigo.

Com ciganos comendo amoras e limões,
e música de harmónio, e ciúme, e vinganças,
e subindo nos ares o livre e musical
facho rubro que une os seios da terra ao Sol.

Vem, serenidade!
Os comboios nos esperam.
Há famílias inteiras com o jantar na mesa,
aguardando que batam, que empurrem, que irrompam
pela porta levíssima,
e que a porta se abra e por ela se entornem
os frutos e a justiça.

Serenidade, eu rezo:
Acorda minha mãe quando ela dorme,
quando ela tem no rosto a solidão completa
de quem passou a noite perguntando por mim,
de quem perdeu de vista o meu destino.

Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.

Vem serenidade
lve os vencidos,
regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos
e dá-lhes nomes novos,
novos ventos, novos portos, novos pulsos.

E recorda comigo o barulho das ondas,
as mentiras da fé, os amigos medrosos,
os assombros da Índia imaginada,
o espanto aprendiz da nossa fala,
ainda nossa, ainda bela, ainda livre
destes montes altíssimos que tapam
as veias ao Oceano.

Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes, só de ver
que a beleza não nasce dia a dia na terra.
E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exacta
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.

E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caoss e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome,
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros,
na chaminé do sangue.

Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retrácteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.

Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.

Vem, com teu frio de esquecimento,
com a tua alucinante e alucinada mão,
e põe, no religioso ofício do poema,
a alegria, a fé, os milagres, a luz!

Vem, e defende-me
da traição dos encontros,
do engano na presença de Aquele
cuja palavra é silêncio,
cujo corpo é de ar,
cujo amor é demais
absoluto e eterno
para ser meu, que o amo.

Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente
Serenidade, és minha.

Raul de Carvalho



* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

266 - Sim... porque sim

Porque uma imagem vale por mil palavras...
Esta dispensa todo e qualquer texto


Posted by Picasa

------
3 horas depois

Como sou muito incoerente, acrescento


The 59th Street Bridge Song (Feelin' Groovy)
Simon and Garfunkel

Slow down, you move too fast.
You got to make the mornin' last.
Just kickin' down the cobblestones,
Lookin' for fun and feelin' groovy.
Ba da da da da da da, feelin' groovy.

Hello, lamppost, whatcha knowin'?
I come to watch your flowers growin'.
Ain'tcha got no rhymes for me?
Doo it doo doo, feelin' groovy.
Ba da da da da da da, feelin' groovy.

I got no deeds to do, no promises to keep.
I'm dappled and drowsy and ready to sleep
Let the morningtime drop all it's petals on me
Life, I love you, all is groovy!
Ba da da da da da da ba bap a dee...

domingo, 7 de outubro de 2007

265 - músicas da minha vida I

Passeando hoje por Sintra, tive o prazer de ouvir na rádio uma das músicas que sempre achei fenomenais pelo ritmo, pela intrepretação, por vivências que faz lembrar.
Não podia de a colocar aqui, neste espaço tão meu.
Esta é uma das músicas da minha vida (porque desde que me conheço mexe comigo)



Ella Fitzgerald e Louis Armstrong

Summertime

Summertime and the living is easy
Fish are jumping and the cotton is high
Oh your daddy’s rich and your ma is good looking
So hush little baby, don’t you cry
One of these mornings
You’re going to rise up singing
Then you’ll spread your wings
And you’ll take the sky
But till that morning
There’s a nothing can harm you
With daddy and mammy standing by

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

264- Definição do poeta - Sebastião da Gama


Posted by Picasa


Esta é a árvore do post 257
----------------------------------------------------------------------------------
O poeta beija tudo, graças a Deus... E aprende com as coisas a sua lição de sinceridade... E diz assim: "É preciso saber olhar..."
E pode ser, em qualquer idade, ingénuo como as crianças, entusiasta como os adolescentes e profundo como os homens feitos...
E levanta uma pedra escura e áspera para mostrar uma flor que está por detrás... E perde tempo (ganha tempo...) a namorar uma ovelha... E comove-se com cousas de nada: um pássaro que canta, uma mulher bonita que passou, uma menina que lhe sorriu, um pai que olhou desvanecido para o filho pequenino, um bocadinho de Sol depois de um dia chuvoso...
E acha que tudo é importante... E pega no braço dos homens que estavam tristes e vai passear com eles para o jardim...
E reparou que os homens estavam tristes...
E escreveu uns versos que começam desta maneira: "O segredo é amar..."
(Sebastião da Gama, diário - 9 de Março

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

263 - Tempo de nostalgia



Como o tempo passa!
Esta manhã, na rádio, soube já lá vão 25 anos sobre a morte de Adriano Correia de Oliveira. Ele foi um companheiro certo e fiel nos meus dias de coimbra. Lembro-me bem do dia da sua morte e da notícia ouvida na Rádio Universidade na Cantina Geral.
Afinal continuaste durante muito tempo a acender no meu o teu cigarro.

Este dia tem sido bem recheado de memórias de uma época vivida intensamente...














Canção com lágrimas

Eu canto para ti o mês das giestas
O mês de morte e crescimento ó meu amigo
Como um cristal partindo-se plangente
No fundo da memória perturbada

Eu canto para ti o mês onde começa a mágoa
E um coração poisado sobre a tua ausência
Eu canto um mês com lágrimas e sol o grave mês
Em que os mortos amados batem à porta do poema

Porque tu me disseste quem me dera em Lisboa
Quem me dera em Maio depois morreste
Com Lisboa tão longe ó meu irmão tão breve
Que nunca mais acenderás no meu o teu cigarro

Eu canto para ti Lisboa à tua espera
Teu nome escrito com ternura sobre as águas
E o teu retrato em cada rua onde não passas
Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio

Porque tu me disseste quem me dera em Maio
Porque te vi morrer eu canto para ti
Lisboa e o sol, Lisboa com lágrimas
Lisboa à tua espera ó meu irmão tão breve
Eu canto para ti Lisboa à tua espera.
Manuel Alegre
---
"Canção com lágrimas", para além de dar voz ao desassossego de uma nação, traduz uma experiência pessoal do poeta Manuel Alegre, que perdera um amigo na Guerra Colonial. Adriano Correia de Oliveira escolheu este poema em nome da mágoa causada pela morte, na Guerra de Angola, do seu amigo e companheiro José Manuel Pais, rás da república Rás-Te-Parta. Um irmão que nunca esqueceu. Em sua homenagem deu a seu filho o nome de José Manuel."

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

262- Elegia para uma gaivota






Parece impossível que só ao fim de mais de um ano é que o meu querido Sebastião da Gama entre neste "diário". Logo ele que tem sido o meu companheiro sempre presente ao longo de tantos e tantos anos.
Terei de voltar a estes assunto um destes dias...

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

261 - E não é que passei a gostar?







Confesso que este poema nunca me disse muito, talvez por ter sido musicado com um ritmo que não lhe empresta a urgência das palavras, talvez por nunca o ter lido com a atenção devida, talvez por não ter o estado de espírito adequado quando o leio.
Na sequência do post anterior, acho-o, por estes dias, lindo.

Não posso adiar o amor para outro século)

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
não posso adiar o coração
antónio ramos rosa

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

260 - A vida num só dia















Hoje foi mais um daqueles dias em que há mil coisas para fazer e é um stress conseguir chegar ao fim com todos os inadiáveis resolvidos...
Confesso que olho para estes dias com um misto de amor/ódio, pois se me vou stressando com o ritmo dos acontecimentos, confesso que odiaria não ter nada que fazer...


Acto de Contrição

Pelo que não fiz, perdão!
Pelo tempo que vi, parado,
correr chamando por mim,
pelos enganos que talvez
poupando me empobreceram,
pelas esperanças que não tive
e os sonhos que somente
sonhando julguei viver,
pelos olhares amortalhados
na cinza de sóis que apaguei
com riscos de quem já sabe,
por todos os desvarios
que nem cheguei a conceber,
pelos risos, pelas lágrimas,
pelos beijos e mais coisas,
que sem dó de mim malogrei


— por tudo, vida, perdão!

Adolfo Casais Monteiro

sábado, 22 de setembro de 2007

259 - bibliotecas escolares (poemarma)

A propósito de umas "conversas" sobre a função da Biblioteca e da necessidade de pôr os meninos a pensar e a questionar, lembrei-me do poema...














Poemarma

Que o poema tenha rodas motores alavancas
que seja máquina espectáculo cinema.
Que diga à estátua: sai do caminho que atravancas.
Que seja um autocarro em forma de poema.

Que o poema cante no cimo das chaminés
que se levante e faça o pino em cada praça
que diga quem eu sou e quem tu és
que não seja só mais um que passa.

Que o poema esprema a gema do seu tema
e seja apenas um teorema com dois braços.
Que o poema invente um novo estratagema
para escapar a quem lhe segue os passos.

Que o poema corra salte pule
que seja pulga e faça cócegas ao burguês
que o poema se vista subversivo de ganga azul
e vá explicar numa parede alguns porquês

Que o poema se meta nos anúncios das cidades
que seja seta sinalização radar
que o poema cante em todas as idades
(que lindo!) no presente e no futuro o verbo amar.

Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.

Que o poema seja encontro onde era despedida.
Que participe. Comunique. E destrua
para sempre a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua
.
Que seja experimentado muito mais que experimental
que tenha ideias sim mas também pernas
E até se partir uma não faz mal:
antes de muletas que de asas eternas .

Que o poema fique. E que ficando se aplique
A não criar barriga a não usar chinelos.
Que o poema seja um novo Infante Henrique
Voltado para dentro. E sem castelos.

Que o poema vista de domingo cada dia
e atire foguetes para dentro do quotidiano.
Que o poema vista a prosa de poesia
ao menos uma vez em cada ano.

Que o poema faça um poeta de cada
funcionário já farto de funcionar.
Ah que de novo acorde no lusíada
a saudade do novo o desejo de achar.

Que o poema diga o que é preciso
que chegue disfarçado ao pé de ti
e aponte a terra que tu pisas e eu piso.
E que o poema diga: o longe é aqui.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

258 - regresso à sala de aula

Após mais de um ano voltei a uma sala de aula para estar com os alunos. Confesso que gostei. Fez-me falta ensinar. Fez-me falta a inocência (!) dos meninos.
Neste ano que passou sem dar aulas, senti-me sem rodagem quando em Março fui dar formação a professores. Foi estranho voltar a habituar-me ao "palco".
Hoje não, tudo foi natural e aproveitei para "puxar" por eles. Pareceram-me tão interessados e inocentes. De facto a experiência e a idade ajudam muito na gestão da sala de aula...

---
No entanto neste regresso à escola deu para perceber por experiência própria que tudo o que me tinham dito é verdade. Os professores perdem HORAS a fazer "trabalho da treta" em vez de trabalharem para fazerem melhor na sala de aula. E isso de ter de trabalhar mais horas na escola é perverso. Uma coisa é estar num escritório e ter uma secretária com as nossas coisas e materiais, outra é ter de estar na sala de professores e só aí e ter e querer trabalhar! só acha que é possível quem nunca esteve numa!

Resultado: traz-se trabalho para fazer à noite, coisa que um vulgar trabalhador não faz!
Há de facto uma falta de lógica quando se procura tornar igual o que é diferente

”Ser professor é ser artista, malabarista, pintor,
escultor, doutor, músico, psicólogo…
É ser mãe, pai, irmã, avó…
É ser palhaço, espantalho, estilhaço!
É ser criança… É ser informação… É ser acaso…
É ser bússola, é ser farol,
É ser luz, é ser o Sol.

Incompreendido? Sim! Muito.
Defendido? Não! Nunca.
O seu filho passou?
Claro é um génio!
Não passou?
Não. O professor não o ensinou.

Ser professor
Não é ter um vazio ou vocação!
É ter outra coisa!
É ter nas mãos o mundo de amanhã!

Amanhã!
Os alunos vão-se!
E ele, o mestre,
De mãos vazias,
Fica com o coração partido.
Recebe novas turmas,
Novos olhos ávidos de cultura.
Fica a saudade e a amizade.

O pagamento real?
Só talvez a eternidade!!!”

terça-feira, 18 de setembro de 2007

257 - Pensamentos















Lá na escola onde trabalho há por lá uma árvore no recreio (não é esta, mas ainda não fotografei). Tenho perdido algum tempo, ao longo destes anos, a olhar para ela, durante alguns intervalos, quando preciso de um tempito para mim.


Essa árvore é um exemplo brilhante de como a Natureza pode resistir a todas as agressões e intempéries.


Foi lá posta ainda era um pauzito frágil, só que ficou no meio de um recreio onde os meninos do 1º Ciclo dela se serviram (servem) para tudo...


Jogar às escondidas, trepar, correr à volta, partir ramos...


E não é que vingou? E não é que cresceu?


Que bela lição para a vida...


Serei eu capaz de tanto?

256 - Perplexidades II


Nem de propósito...


Segundo o "Notícias da Manhã" de 19 de Setembro:

"10% dos alunos de sete anos reprovam

A ministra da Educação aumentou na passada sexta-feira, que no Algarve 10% dos alunos de sete anos reprovem o ano e apelou às escolas e professores para que trabalhem no sentido de integrar os estudantes e não de chumbá-los." A reprovação é, por vezes, o caminho mais simples, temos de dizê-lo com toda a franqueza", observou a responsável, pedindo aos docentes para que trabalhem mais com as crianças. Na opinião pessoal da ministra da Educação, a reprovação é desajustada. Não se pode reprovar uma criança com sete anos, aquilo que se deve fazer é trabalhar com ela para que laqueie ano atinja os objectivos", aconselhou."

Ora aqui é que está o "busilis". Até acredito que fosse possível aos professores baixar esta estatística. É sempre possível fazer mais e melhor, mas o cerne da questão é: Caberá apenas aos professores a assumpção de todo e qualquer insucesso. Não é verdade que os miúdos chegam diferentes à escola e que é nos primeiros anos de vida que se faz a história da criança e que a escola acaba por só poder remendar? Então não fazem falta os psicólogos, assistentes sociais e outrso técnicos que ajudem os professores? o que se faz a um menino que não aprende a ler na altura devida? não necessitaria ele de algumas medidas de apoio? e a valorização da escola que não é feita em casa? e os pais que se demitem das suas funções? Estes 10% seráo todos culpa dos professores?

E será que é o Inglês e a música que vão resolver os problemas destes meninos?

Aqui é que eu me bato. Algumas das medidas postas em prática nos últimos tempos em nada têm contribuído para que se possam baixar estas médias e taxas.

"Mas cabe perguntar: Como é que aqui chegámos?"

Ah: E não se me venha dizer que baixo os braços e que aceito uma escola reprodutora. Essas teorias foram e são bastante interessantes e têm algum carácter explicativo mas já têm 50 anos

domingo, 16 de setembro de 2007

255 - Perplexidades (actualizado)















A Educação é um assunto complexo...

Sou professor há mais de 20 anos e reconheço que também tenho estado ligado ao "eduquês"...
A Sociedade mudou muito desde os anos 60 do Século passado e pensar que a Escola se pode manter igual ao que era há 50 anos atrás é um erro colossal. Nem a sociedade precisa de uma escola que transmita apenas conteúdos encliclopédicos nem a Escola pode manter métodos que resultavam em públicos "escolhidos e seleccionados a dedo" pois a escola não era para todos...
Vejam-se as estatísticas:
- Nos anos 60 Portugal tinha 30% de Analfabetos!
- Em 1977/78 apenas 8,9% dos alunos frequentavam o Ensino Secundário (contra 59,8% em 2004/05 - fonte: http://www.gepe.min-edu.pt/np3/98.html

No entanto, reconheço que muitos e muitos erros têm sido cometidos e impressiona-me imenso o desencanto de muitos, muitos mas muitos bons profissionais do ensino.
Esta é a garantia de que algo seguramente tem andado mal no ensino português nos últimos anos... Não é possível que tantos e tantos bons profissionais estejam todos enganados e desencantados.
Se não veja-se

Aqui (tempo de teia)
Aqui (blogotinha)
Aqui (dererummundi)
e
Aqui
(blogicamente)

E em tantos, tantos outros locais...

Não será possível parar para pensar? não será possível avaliar e estabilizar? será que vale o "chutar para a frente" e seja o que Deus quizer? Será que as medidas deste ME contribuem DE FACTO para a melhoria do ensino, para que os alunos aprendam todos e mais ou são apenas medidas políticas economicistas e de cosmética a acertar ao lado? Pelo que observo temo bem que a estas questões a resposta seja que as medidas adoptadas em nada têm contribuído para melhorar qualitativamente o ensino...

Como escreve o José Mário Branco no texto "A noite": "Mas cabe perguntar: como é que aqui chegámos?"

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

254 - Recomeçar















Recomeçar
Reagir
Refazer
Relembrar
Religar
Reaprender
Recordar

Recomeçar
Realizar
Reiniciar
Readaptar
Readquirir
Reafirmar
Reajustar

Recomeçar
Realojar

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

253 - Amor à camisola



Sou sincero! foi com emoção que vi estes homens de barba rija a cantarem o hino nacional. Há um que até chora!
Claro que há aqui um grande trabalho psicológico do treinador Tomás Morais mas não deixa de ser significativo.
Ah Portugal Portugal
Que todos te amassem assim...

Explicação do País de Abril

País de Abril é o sítio do poema.
Não fica nos terraços da saudade
não fica nas longas terras. Fica exactamente aqui
tão perto que parece longe.

Tem pinheiros e mar tem rios
tem muita gente e muita solidão
dias de festa que são dias tristes às avessas
é rua e sonho é dolorosa intimidade.

Não procurem nos livros que não vem nos livros
País de Abril fica no ventre das manhãs
fica na mágoa de o sabermos tão presente
que nos torna doentes sua ausência.

País de Abril é muito mais que pura geografia
é muito mais que estradas pontes monumentos
viaja-se por dentro e tem caminhos veias
- os carris infinitos dos comboios da vida.

País de Abril é uma saudade de vindima
é terra e sonho e melodia de ser terra e sonho
território de fruta no pomar das veias
onde operários erguem as cidades do poema.

Não procurem na História que não ven na História.
País de Abril fica no sol interior das uvas
fica à distância de um só gesto os ventos dizem
que basta apenas estender a mão.

País de Abril tem gente que não sabe ler
os avisos secretos do poema.
Por isso é que o poema aprende a voz dos ventos
para falar aos homens do País de Abril.

Mais aprende que o mundo é do tamanho
que os homens queiram que o mundo tenha:
o tamanho que os ventos dão aos homens
quando sopram à noite no País de Abril.


Manuel Alegre
Praça da Canção

domingo, 9 de setembro de 2007

252 - Fora de Contexto II


Como eu gosto de alguns preciosismos só nossos. Das nossas expressões idiomáticas... do "É do tempo da Maria Cachucha", das nossas "saudades", do "cú de Judas", de "fazer sala"...
Aqui vai mais uma



Do DN de 8 de Setembro de 2007
ESSA PALAVRA ARGUIDO "SO TYPICAL!"

Ferreira Fernandes

Vai haver festa em Coimbra, pátria da adolescência dos penalistas nacionais. Conseguiram! A sua especialidade, lendo os jornais estrangeiros de ontem, exportou-se. Tal como já acontecera com o queijo da serra e o pastel de Belém, a palavra "arguido" conquistou o mundo. "What is an 'arguido'?", titulava o inglês Guardian. Ao que respondia, também em título, o espanhol El Mundo: "'Arguido', figura para el sospechoso oficial em Portugal." E o francês Le Monde pediu a um jurista luso para explicar a típica palavrinha. Ele compara com "suspeito" mas alertou: "Não implica acusação exacta." E, assim, se demonstrou a paternidade portuguesíssima de "arguido". Este é uma coisa em forma de mais ou menos. Está para os touros de morte como a tourada portuguesa. Arguido é todo curvas, é uma pega de cernelha. É acusar e dizer em seguida: "Mas não leve a mal, homem." Mais português é impossível. A palavra "arguido" conquistou o mundo. Só falta convencer os juízes.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

251 - aos marcadores de livros

Aos meus amigos marcadores



"Ler inclui um vasto conjunto de práticas que variam de época para época, de local para local, de pessoa para pessoa.

Cada um lê de uma maneira própria...
No meio da sala, num cantinho escondido, numa mesa de café, no autocarro, na biblioteca, na cama.
Mas também...
Junto à lareira no Inverno, no meio da verdura inebriante de um jardim na Primavera, no fresco da brisa nocturna no Verão.
Ou ainda...
De pé, sentado, de pernas para o ar, deitado.
Porventura...
De dia, de tarde, de noite.
Por vezes...
A tomar chá ou café, a beber uma cerveja, a comer amendoins.
Eventualmente...
Vestido de fato e gravata, de fato de treino, de calções, de pijama.
Alguns...
Com um lápis roído na mão ou a torcer e retrocer uma ponta de cabelo.

Todos nós temos os nossos rituais de leitura e os nossos auxiliares. De entre os muitos auxiliares de leitura possíveis gosto de nomear o marcador.

Há quem o use apenas para cumprir uma função: marcar a página em que se parou a leitura sem ter que a dobrar ou danificar.

Mas o marcador trás consigo uma mensagem . É colorido ou sombrio. Reproduz uma obra de arte. Traz um desenho. Fala por vezes de outro livro.

O marcador é um amigo, uma espécie de mediador entre nós, o livro que lemos e o próprio acto de leitura. O marcador acaba por falar connosco acrescentando um "ruído" de fundo aquele maravilhoso acto de ler em solidão.

Adoro marcadores. São amigos que não dispenso neste vício bom que é ler. Como quem escolhe uma gravata que fique bem com uma determinada camisa, ou uma camisa que fique bem com um determinado fato, escolho cuidadosamente para cada livro que vou ler, o marcador que "lhe vai bem".

Tenho a certeza de que o mundo fica mais feliz quando procuramos equilíbrio entre as coisas. Por isso, a escolha de uma coisa tão simples como um marcador não pode ser um acto arbitrário mas uma atitude estética e ética como, no fundo, são todas as escolhas."

José Fanha




http://tata-bitata.blogspot.com/

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

250 - uff! Recomeçou o trabalho

Como esperava esta semana tem sido intensa e quase nem tenho tempo de respirar...
Regresso à escola que continua com um ritmo de 110% e é necessário a adapatação...
Regresso ao gabinete e chega a vontade de arregaçar as mangas e lançar-me ao trabalho...
Reuniões e mais reuniões...

Tudo se há-de resolver na lógica de um passo de cada vez

Apesar disto tudo...
Continua a ser lindo (re)ver os telhados de Lisboa
Continua a ser lindo (re)ver as casas da velha Lisboa e sua luz quando lhe dá o sol...















"Quinta Canção em Lisboa”, Joaquim Pessoa


Chamar-te a ti, Lisboa, camarada
e depois, eu sei lá, enlouquecer.
Que a loucura é quase um grão de nada
e tu tens um nome de mulher.

Ou dizer que és a minha namorada.
Devagar. Não vá alguém saber
que fizemos amor de madrugada
e tu trazes um filho por nascer.

Se eu inventar de noite a liberdade
de poder beijar-te os olhos e morrer,
no teu ventre não há fado nem saudade
mas apenas os filhos que eu fizer.

E pode ser que eu guarde a tempestade
de ter que aqui ficar. E então dizer
que sobre a minha boca ninguém há-de
pôr rosas de silêncio, se eu quiser.

Chamar-te a ti, Lisboa, camarada
e depois, eu sei lá, enlouquecer…

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

249 - propósitos de um novo ano















(com a devida vénia à Teresa M. Blog Tempo de teia)
Promessa(s)...

Hoje que o ano começa
e p´ra que comece bem
vou fazer uma promessa
ao meu pai e à minha mãe...

Prometo, que eu sou boazinha,
rigorosa obediência
aos decretos, circulares
regras, leis e invenções
que o novo ano me traga
que nas férias fiquei zen
treinei minha paciência
até nem quis ser titular
e resisto a qualquer praga.

Prometo também, todavia,
nunca ficar calada
e dizer a qualquer hora
quando o juízo indicar
que não concordo com lei
que faça a já pobre escola
transformada em caranguejo
só para trás caminhar.

Prometo, ainda, abraçar
o melhor que posso e sei
tudo o que faz sentido
e mantém a chama acesa
mas ser só à superfície
corpo a boiar sem entrega
na montanha de papéis
da estéril burocracia
que em cada ano nos chega.

Prometo (oh se prometo!)
continuar a tecer
sonhos, asas, fantasias
vestir a minha armadura
levantar bem alto a espada
e combater os dragões
os piratas, os ladrões
para salvar sem temor
sem medalhas, nem louvor
aquela que é minha amada.

Hoje que o ano começa
e p´ra que comece bem
vou fazer uma promessa
ao meu pai e à minha mãe...

Prometo que não prometo
prometer o que não posso
(ser chão, tapete, alcatifa)
nunca a ninguém prometer
que promessas dessas sabemos
é no vento que se montam
e partem depressa a correr
levadas p'ra não sei onde
lá onde o escuro se esconde
e eu nem quero saber.


A todos vocês: um bom regresso de olhos sempre mais além.


(o "refrão"... quadra de partida, retirei-o da memória de um qualquer poema que me lembro de recitar mas não sei de quem é... alguém sabe?)


ADENDA 1: A esta pergunta respondeu a bell... Obrigada! Lembrava-me das duas primeiras quadras de cor... mas depois... "a coisa" perdia-se lá para os lados da infância...

O poema é de Maria Isabel Mendonça Soares:

"Hoje, que o ano começa,
e para que comece bem,
vou fazer uma promessa
ao meu pai e à minha mãe.

E para não a esquecer
e que ninguém me desminta,
nesta folha de papel
aqui fica escrita a tinta.

Prometo solenemente
não brigar com o meu irmão,
repartir com toda a gente
brinquedos, bolos ou pão;

ter sempre tanto juízo
quer de dia, quer de noite,
que nunca há-de ser preciso
apanhar nenhum açoite.

Se assim fizer, hei-de ter
muitos amigos e amigas
porque a amizade se pega
mais que o sarampo e as bexigas."

sábado, 1 de setembro de 2007

248 - Leituras do Verão 2007

Aqui ficam as minhas leituras deste verão:

- Foi Assim de Zita Seabra - Relato a todos os títulos impressionante sobre uma experiência. Marcou-me entre muitos outros aspectos o relato sobre a força e eficiência da propagandasoviética e do PC. Confesso que resultou pois também acreditei em muito do que se dizia...

- O Codex 632 de José Rodrigues dos Santos. Como dizem os italianos: "Se no é vero é bien trovato". Gostei

- Largo das necessidades de Paola d'Agostino

- O estrangeiro de Albert Camus. Já há anos que andava para ler este livro. É impressionante como está bem escrito e bem pensado. Nada é deixado ao acaso e leva o raciocínio até ao fim...

- A fórmula de Deus de José Rodrigues dos Santos - Ideia engraçada, mas o livro não é tão empolgante como o anterior, nem tão plausível

Ficou por ler:
- Um sentido para a vida de Saint Exupéry (vou a meio)
- O inferno somos nós de Carlos Amaral Dias
- Hoje não - de José Luis Peixoto
- D'este viver aqui neste papel descripto de António Lobo Antunes

e ...
Li também uma tese para não se dizer que não avancei no meu mestrado...

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

247 - Não cantes alegrias a fingir



















Não cantes alegrias a fingir
Se alguma dor existir
A roer dentro da toca
Deixa a tristeza sair
Pois só se aprende a sorrir
Com a verdade na boca


Quem canta uma alegria que não tem
Não conta nada a ninguém
Fala verdade a mentir
Cada alegria que inventas
Mata a verdade que tentas
Porque é tentar a fingir


Não cantes alegrias de encomenda
Que a vida não se remenda
Com morte que não morreu
Canta da cabeça aos pés
Canta com aquilo que és
Só podes dar o que é teu


José Mário Branco
Fado Tristeza

1902 (da resiliência) - Do que um homem é capaz

Do que um homem é capaz? As coisas que ele faz Pra chegar aonde quer É capaz de dar a vida Pra levar de vencida Uma razão de viver A vida é ...