domingo, 21 de dezembro de 2014

Os Dublinenses de James Joyce

Acabei de ler "Dublinenses" (Dubliners) de James Joyce, livro de contos escrito a partir de 1904 e publicado em 1914. 

Confesso que não sou grande apreciador de contos, pois gosto de me ir enamorando dos personagens e estabelecendo relação com eles, inteirando-me da sua densidade e contradições. No caso dos contos, mal conhecemos cada personagem, já quase a história está a acabar... 

No entanto, gostei deste livro, pelo facto de a escrita de James Joyce ser diferente do comum. Em quinze contos, o autor contempla com realismo e dureza das vidas comuns dos seus conterrâneos  que percorrem as ruas de Dublin, aparecendo, em ordem cronológica: a perda da inocência na infância, as angústias e incertezas da adolescência e a desilusão dos adultos ao encararem sua epifania, o momento em que a verdadeira natureza de algo se dá a conhecer e gostei sobremaneira do final inesperado com que cada conto termina. 

É um bom livro para se conhecer melhor a alma dos Dublinenses, apesar de a obra os retratar como eram há um século atrás.

sábado, 13 de dezembro de 2014

A poesia de Cabo-Verde na casa Fernando Pessoa em Lisboa















A minha terra
nem é grande
nem é rica
industrial
comercial
técnica
universitária
central
fundamental
para
a ciência
a política
a guerra
e a paz
do mundo...

nem tem petróleo
platina
cobalto
urânio
ou qualquer outro
magnético metal
imã do mundo...

a minha terra
é geometricamente
literalmente
um ponto tão pequeno
que quando
vem no mapa-mundo
é o pingo de tinta
negra
que caiu por acaso
sobre o mapa-mundo.

tão minúscula
é a minha terra
tão minúscula
que uma bomba
de cobalto
que sobre ela caísse
de vergonha
arrepiaria caminho
para ir explodir
de raiva
pelo menos
no centro
de um sistema
lá no fundo do universo.

a minha terra
é tão pequena
e o mundo tem tantos caminhos...
ó arquipélago natal
por que me prendes tanto
e tão sem remédio
porque me chamas tanto
e tão sem apelo
por que escutar-te
fio
de voz
algures
perdido
se vozes potentes
e mil maravilhas
orlam os caminhos do mundo?

sortilégio.
mistérios sem mistério
que ficarão mistérios
mais insondáveis
que o universo
pelo qual não troco
a minha terra
a minha terra tão pequena
que cabe
inteira

dentro de um poema como este 

Eugénio Tavares

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A poesia de Cabo Verde na Casa Fernando Pessoa - A Invenção do amor








Há momentos privilegiados, um deles foi o do dia de hoje. Promovido pela Associação 8 séculos de Língua Portuguesa e no âmbito da Tertúlia poética "Poetas do mar e mundo" realizou-se  hoje, na casa Fernando Pessoa em Lisboa, uma sessão dedicada à poesia de Cabo Verde.

Disse-se muita poesia, sendo incontornável: "A Invenção do amor", de Daniel Filipe, que está para Cabo Verde com a Tabacaria de Fernando Pessoa está para Portugal.  

Belo, simplesmente belo.

A invenção do amor

 Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares á; porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem e uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e nas avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
Antes que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos

Chamem as tropas aquarteladas na província
Convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos
Decrete-se a lei marcial com todas as consequências
O perigo justifica-o
Um homem e uma mulher
conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade
É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
antes que seja demasiado tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas

Fechem as escolas
Sobretudo protejam as crianças da contaminação
uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste
Inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo
Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade

Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio
das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas

Procurem os guardas dos antigos universos concentracionários
precisamos da sua experiência onde quer que se escondam
ao temor do castigo

Que todos estejam a postos
Vigilância é a palavra de ordem
Atenção ao homem e á; mulher de que se fala nos cartazes
À mais ligeira dúvida não hesitem denunciem
Telefonem á; polícia ao comissariado ao Governo Civil
não precisam de dar o nome e a morada
e garante-se que nenhuma perseguição será movida
nos casos em que a denúncia venha a verificar-se falsa

Organizem em cada bairro em cada rua em cada prédio
comissões de vigilância. Está em jogo a cidade
o país a civilização do ocidente
esse homem e essa mulher têm de ser presos
mesmo que para isso tenhamos de recorrer á;s medidas mais drásticas

Por decisão governamental estão suspensas as liberdades individuais
a inviolabilidade do domicílio o habeas corpus o sigilo da correspondência
Em qualquer parte da cidade um homem e uma mulher amam-se ilegalmente
espreitam a rua pelo intervalo das persianas
beijam-se soluçam baixo e enfrentam a hostilidade nocturna
É preciso encontrá-los
É indispensável descobri-los
Escutem cuidadosamente a todas as portas antes de bater
É possível que cantem
mas defendam-se de entender a sua voz
Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infância
Campos verdes floridoságua simples correndo A brisa das montanhas

Foi condenado á; morte é evidente
É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo assim desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta

Impõe-se sistematizar as buscas Não vale a pena procurá-los
nos campos de futebol no silêncio das igrejas nas boîtes com orquestra privativa
Não estarão nunca aí
Procurem-nos nas ruas suburbanas onde nada acontece
A identificação é fácil
Onde estiverem estará também pousado sobre a porta
um pássaro desconhecido e admirável
ou florirá na soleira a mancha vegetal de uma flor luminosa
Será então aí
Engatilhem as armas invadam a casa disparem á; queima roupa
Um tiro no coração de cada um
Vê-los-ão possivelmente dissolver-se no ar Mas estará completo o esconjuro
e podereis voltar alegremente para junto dos filhos da mulher

Mais ai de vós se sentirdes de súbito o desejo de deixar correr o pranto
Quer dizer que fostes contagiados Que estais também perdidos para nós
É preciso nesse caso ter coragem para desfechar na fronte
o tiro indispensável
Não há outra saída A cidade o exige
Se um homem de repente interromper as pesquisas
e perguntar quem é e o que faz ali de armas na mão
já sabeis o que tendes a fazer Matai-o Amigo irmão que seja
matai-o Mesmo que tenha comido á; vossa mesa e crescido a vosso lado
matai-o Talvez que ao enquadrá-lo na mira da espingarda
os seus olhos vos fitem com sobre-humana náusea
e deslizem depois numa tristeza líquida
até ao fim da noite Evitai o apelo a prece derradeira
um só golpe mortal misericordioso basta
para impor o silêncio secreto e inviolável

Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia á; Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência

Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
No inquérito oficial atónito afirmou
que o homem e a mulher tinham estrelas na fronte
e caminhavam envoltos numa cortina de música
com gestos naturais alheios Crê-se
que a situação vai atingir o climax
e a polícia poderá cumprir o seu dever

Daniel Filipe (1925-1964)

sábado, 6 de dezembro de 2014

Recordando Mário Henrique Leiria

Agradeço ao Nicolau Santos e à sua crónica semana no Jornal Expresso a lembrança do texto sempre tão atual.

(o texto era sobre o ex BES e a comissão parlamentar de inquérito, mas podia ser sobre tanta, tanta coisa. Fica-nos ao menos a ideia que os tempos excecionais em que vivemos sabem a dejá vu)


O que aconteceria se o Arcebispo de Beja fosse ao Porto e dissesse que era Napoleão?
Toda a gente acreditava que era. O presidente da Câmara nomeava-o Comendador. Iam buscar a coluna de Nelson, tiravam o Nelson e punham o arcebispo lá em cima. E davam-lhe vinho do Porto.
Então o arcebispo dizia:
- Sou a Josefa de Óbidos.
Ainda acreditavam que era, embora menos. O presidente da Câmara apertava-lhe a mão. Iam buscar o castelo de Óbidos, tiravam os óbidos e punham o arcebispo na Torre de Menagem. Além disso, davam-lhe trouxas d’ovos.
Nessa altura, convicto, o arcebispo de Beja afirmava:
- Sou o arcebispo de Beja.
Não acreditavam. Davam-lhe imediatamente uma carga de porrada. E punham-no no olho da rua. Nu

Mário Henrique Leiria 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

25 livros que todas as raparigas deveriam ler antes de chegarem aos 25

Nas minhas deambulações pela Internet dei com o post abaixo e não deixei de sorrir. Afinal aquilo que eu digo a propósito da promoção da leitura nas escolas faz sentido, pois homens e mulheres, rapazes e raparigas, podem ter gostos comuns, mas também têm gostos e interesses diferenciados. Não ter isso em conta quando se procura fazer a gestão da coleção de uma biblioteca é deixar de lado alguns leitores que não se revêm no que lhes é oferecido.

P.S. - por melhor e mais completa que seja a proposta abaixo, confesso que seria incapaz de ler algumas das propostas. Serei preconceituoso? Nao acho!  

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25 books every girl should read before she turns 25

Classic literature is full of famous books about angsty teenage boys learning who they are as men. But what about all the women? The books about women’s coming of age are not nearly as widely celebrated, but are they are JUST as significant and moving and important as all those books about boys.
From young adult stories of adventure, to non-fiction graphic novels, these game-changing reads will shape how you think about being a woman — which let’s be real, is mega important. It’s time to dust off your library card and get ready to be empowered.
1. Daughter of Fortune by Isabel Allende
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Allende spent seven years researching this novel, which she describes as a young woman’s search for self-knowledge. The result is a beautiful story of a young Chilean girl raised by English siblings that Allende says reflects her own struggle to define the role of feminism in her life.
2. Persepolis by Marjane Satrapi
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Persepolis is a graphic novel that I first encountered in an Intro to Gender & Women’s Studies in college. I only wish I had read it years earlier. The autobiographical novel details Satrapi’s life living in Iran during and after the Islamic revolution. The novel will help any reader understand what is means to be a woman in other cultures.
3. Pride & Prejudice by Jane Austen
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This book is classic for a reason. It teaches two incredibly important life lessons that every girl needs to learn: first impressions aren’t always right and everyone needs second chances. Not to mention, it comes with Austen’s signature satire and fierce feminist undertones.
4. I Know Why The Caged Bird Sings by Maya Angelou
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This 1969 autobiography from Maya Angelou shows how a woman can stand strong despite societal and personal injustices. Fighting racism, sexism, and personal trauma, the novel reflects on both how easy it is to internalize these negative forces, and how powerful a woman can become by resisting.
5. Matilda by Roald Dahl
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This classic children’s novel teaches women that they have value beyond what others see in them. Matilda is a smart girl neglected by her family, who, when encouraged by a kind teacher, learns she has magical powers. The rest of the story tracks Matilda taking control of her life and deciding her own fate.
6. The Handmaid’s Tale by Margaret Atwood
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This is the dystopian novel to top all dystopian novels. Offred is a handmaid in a futuristic (though disturbingly similar) society where the declining fertility rates have caused women to lose control over their own bodies. I guarantee this book will give any woman a new appreciation of her ability to control her reproductive health.
7. The Bell Jar by Sylvia Plath
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The only novel by American poet Sylvia Plath, this novel takes on issues of gender and mental health. The story is modeled after Plath’s experience at Smith (a woman’s college) and winning a scholarship to work at an NYC magazine. Despite her seemingly impressive life, the protagonist experiences mental health issues that shed light on the complicated history of medical treatments in America, especially for women.
8. The House on Mango Street by Sandra Cisneros
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Esperanza Cordero is a young Latina girl growing up in Chicago, trying to figure out how the culture of her family fits into the culture of America. The novel is a series of beautiful short vignettes that heartbreakingly and hilariously illustrate life in an immigrant family in America.
9. Graceling by Kristin Cashore
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Graceling is the first in a series of young adult novels perfect for fans of fantasy. The series is full of strong female protagonists, and treats sexuality in a mature way appropriate for young teenagers. A fun and quick read, this novel sets up a good sex-positive groundwork for girls, in a fantasy world that includes birth control and LGBT characters.

ler mais em  http://hellogiggles.com/25-books-for-every-girl

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

381 - chove


BALADA DE FEVEREIRO
Chove nas ruas como nas veias
cida
de cheia de mágoas
e não há barcos ideias
que nos levem por sobre as águas
que tu vento despenteias.
só a chuva nos vidros
e es
te viver para dentro
há só
minutos perdidos
e as caravelas do pensamento
naufragadas nos senti
dos.
Palavras tristes de Fevereiro
se vos ves
tis de melancolia
se vos rodeiam de nevoeiro
como fa
lar da alegria?
Dai
-me um verso marinheiro.
Minha cidade embuçada
na capa do nevoeiro
minha cidade encarcerada
nas grades de Fevereiro
.
Dai-me um verso madrugada
palavras
tristes de Fevereiro.
Minha cidade calafetada
qua
ndo à porta bate o vento
há só poetas ca
ntando
este viver para dentro
e as caravelas do pensamento
naufragad
as (até quando?)
perd
idas no nevoeiro. 

Manuel Alegre

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

380 - Qual a cor da liberdade?



QUEM A TEM...
Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas embora escondam tudoe me queiram cego e mudo
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
(Jorge de Sena, Poesia II)

sábado, 8 de novembro de 2014

379 - E também uma cor e uma linha...

 










Alguém diz com lentidão:
«Lisboa, sabes...»
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve, um vento súbito e claro
nos cabelos, algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta nos lábios e nos dedos,
descendo degraus e degraus
e degraus até ao rio.


( in "Coração do Dia", Eugénio de Andrade, 1958 )

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

378 - Porque hoje é dia de lembrar Sophia (e mesmo que não fosse)














Sea

I
Of all the corners of the world
I love with a stronger and deeper love
That beach enraptured and bare
Where I become one with the sea, the wind and the moon.

II
I smell the land the trees and the wind
That the Spring fills with perfume
But in them I only want and only look
For the wild exhalation of the waves
Rising to the stars as a pure cry.


Mar

I
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.

Poesia I

Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

377 - A minha pátria



















"A language is the place from where you see the World in which the limits of our thinking and feeling are mapped From my language I see the Sea. From my language its murmuring is heard, as from others is heard the language of the forest or the silence of desert The voice of the Sea has been that of our restlessness." (Virgílio Ferreira, 1916-1996)


"Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação." (Virgílio Ferreira, 1916-1996)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

376 - País de marinheiros

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!
 
Oh as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
A espera da maré,
Que não tarda hí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força,
Clamam todos à uma: "Agôra! agôra! agôra!"
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(As vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento, e todas à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:
 
Snra. Nagonia!
 
Olha, acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!
 
Senhora Da guarda!
 
(Ao leme vai o Mestre Zé da Loenor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe a espingarda
O caçador!
Senhora d'ajuda!
Ora'pro nobis!
Caluda!
Sêmos probes!
S.hr dos ramos!
Istrella do mar!
Cá bamos!
 
Parecem Nossa Senhora, a andar.
 
Snra. da Luz!
 
Parece o Farol...
 
Maim de Jesus!
E tal qual ela, se lhe dá o Sol!
 
S.hr dos Passos!
Sinhora da Ora!
 
Aguias a voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fóra...
 
S.hr dos Navegantes!
Senhor de Matozinhos!
 
Os mestres ainda são os mesmos d'antes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mail-os quatro filhinhos,
Vascos da Gama, que andam a ensaiar...
 
Senhora dos aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!
 
Ó lanchas, Deus vos leve pela mão! Ide em paz!
 
Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jéques, o Pardal, na Nam te perdes.
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes
"As armas e os barões assinalados..."
 
Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre! com que força o Vento a impele:
 
Bamos com Deus!
 
Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com ele
Por esse mar de Cristo...
 
Adeus! adeus! adeus!
 
 
Lusitânia no Bairro Latino, António Nobre (1867-1905)
Paris (1891-1892)

1902 (da resiliência) - Do que um homem é capaz

Do que um homem é capaz? As coisas que ele faz Pra chegar aonde quer É capaz de dar a vida Pra levar de vencida Uma razão de viver A vida é ...