quarta-feira, 16 de setembro de 2015

18 - (da condição humana) O que a vida me deu

O que a vida me deu

Ó Mar
Leva tudo o que a vida me deu
Tudo aquilo que o tempo esqueceu
Leva que eu vou voltar
Ó Mar
Como quem vem
E regressa ao fundo
Do ventre da mãe

Tão indiferente
Consumiste na força bravia
Todo o encanto das coisas que havia
E lançaste na praia ardente
Náuseas e pragas
Despojos de almas
As carnes em chagas
As mágoas
Condenaste-me à noite
De sangue e fogo
E vento e sombras
Ao teu quebranto
Mas deixa-me ao menos
O corpo despido
Em descanso


Ó Mar
Lago imenso de oceanos salgados
Onde os rios também naufragados
Vão por fim descansar
Ó Mar
Tecem murmúrios
Sensuais
Como os amantes
Depois
Repousam em paz
No teu ciúme
Ó sereia do braço da ira
Seduziste na tua mentira
E arrastaste contigo o mundo
Todos os sonhos
Os meus desejos
Os suaves Outonos
E o Tejo
São saudades que eu tenho
Leve memória
Do que já fui
Que já não sou
Mas se tudo levaste
Leva enfim esta dor
Que ficou

Fausto Bordalo Dias

terça-feira, 8 de setembro de 2015

17 . (Da cidade) Um homem na cidade.


Um homem na cidade
Agarro a madrugada
como se fosse uma criança,
uma roseira entrelaçada,
uma videira de esperança.
Tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem, por força da vontade,
de trabalhar nunca se cansa.
Vou pela rua desta lua
que no meu Tejo acendo cedo,
vou por Lisboa, maré nua
que desagua no Rossio.
Eu sou o homem da cidade
que manhã cedo acorda e canta,
e, por amar a liberdade,
com a cidade se levanta.
Vou pela estrada deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresce na vela da canoa.
Sou a gaivota que derrota
tudo o mau tempo no mar alto.
Eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada,
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada,
um malmequer azul na cor,
o malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém,
o malmequer desta cidade
que me quer bem, que me quer bem.
Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também,
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem,
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis, que me quer bem.

Ary dos Santos

1902 (da resiliência) - Do que um homem é capaz

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