domingo, 20 de junho de 2010

1132 - A minha terra



Até há alguns anos tinha uma certa inveja das pessoas que tinham uma "terra" ou que iam à "terra". Eu, como filho da margem sul e vivendo sempre nela (excepto durante um ano de estudos em Coimbra) sentia-me sem terra.

Esses tinham identidade. Eu tinha uma cidade de casas e mais casas com um ou outro espaço com alguma beleza.

De há uns tempos para cá, sobretudo a partir das comemorações do 25 de Abril comecei a sentir-me identificado com a minha terra, embora essa identificação ainda não fosse racionalizada ou tivesse consciencializado isso.

Ao ver este vídeo que a Teresa me enviou consciencializei e verbalizei que tenho, de facto, uma terra.
Sinto orgulho dela! sinto-me identificado com alguma marginalidade, com uma certa urbanidade, com um viver de outra forma, identificado com o mundo do trabalho e do operariado.
Gosto da poesia urbana dos UHF, Da Wiesel, oquestrada...

Não pensem que me ofendem com certos estereótipos, antes pelo contrário. Identifico-me com eles

Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do sangue
que empapa a terra que piso.

Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.

Et voilá!

2 comentários:

  1. Gosto imenso da poesia do José Fanha. Este poema já passou por lá...

    Bom domingo, João.
    Beijo.

    ResponderEliminar
  2. Maria:

    É um poema intremporal que define algumas coisas.

    Faz muito sentido mesmo

    beijo

    João

    ResponderEliminar

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