Há u
m gesto que se tornou quase inevitável em qualquer espetáculo ao vivo: o erguer do telemóvel. No caso de um concerto em sala de espetáculos a questão tornou-se muito complicada. A sala mergulha na penumbra, a música começa — e, de repente, um e depois outro e mais outro e, novamente, o primeiro ecrã luminoso acende-se no escuro. Quem os usa acredita estar a guardar uma lembrança, mas o que realmente faz é roubar-se a si próprio e aos outros a experiência que espera querer preservar (será que a quer?).
Não é apenas uma questão estética ou de etiqueta; é uma
questão cultural. Usar o telemóvel para gravar vídeos num concerto — sobretudo
em espaços fechados — é um ato de desatenção e de desrespeito, tanto para o
público como para os artistas. A luz do ecrã distrai quem está ao lado, quebra
a imersão coletiva e desvirtua o sentido do momento. Pior ainda: quem grava
nunca mais vê o vídeo. Aquele ficheiro, tremido e com som distorcido, ficará
esquecido, sepultado entre centenas de outros registos irrelevantes.
O paradoxo é evidente: temos ao alcance de um clique
gravações em alta definição no YouTube ou no Spotify, mas insistimos em filmar
trechos de má qualidade de concertos que poderíamos simplesmente escutar com
plena atenção. O telemóvel transformou-se num apoio da memória e, ao mesmo
tempo, no seu maior inimigo. Em vez de viver o momento, tentamos capturá-lo —
e, ao fazê-lo, deixamos de o viver.
Penso nisto com particular desconforto ao recordar o
concerto a que hoje assisti, com obras de Viktor Ullmann, Szymon Laks e Dmitri
Shostakovich. Músicas densas, exigentes, …. A sua força reside na escuta
concentrada, na capacidade de acompanhar. Como é possível fruir uma obra assim
enquanto se segura um telemóvel, verificando se o enquadramento ficou bem? É
impossível. A atenção dispersa destrói a música.
A dependência do telemóvel tornou-se um fenómeno
transversal. Muitos dos que censuram os jovens pela sua “adição digital”
revelam igual incapacidade de estar desconectados durante trinta minutos.
Vivemos num tempo em que a ausência de ecrã gera ansiedade, e em que a prova de
ter vivido um acontecimento parece depender de o ter publicado. Partilha-se,
mas não se sente; grava-se, mas não se compreende.
O que está em causa é mais do que uma questão de
comportamento: é uma forma de alienação. Substituímos a experiência direta pela
mediação tecnológica, a atenção plena pela dispersão constante, o silêncio pela
notificação. O concerto — espaço de encontro entre intérprete e ouvinte —
torna-se cenário para autopromoção, pano de fundo para “stories” efémeras que
nada comunicam.
Assistir a um concerto é um ato de presença. Implica
disponibilidade e escuta. Exige tempo e concentração. E, sobretudo, implica
aceitar que há momentos que não se registam — apenas se vivem. Talvez seja
tempo de redescobrir esse prazer: o de estar verdadeiramente presente, de olhos
e ouvidos abertos, sem o filtro luminoso de um ecrã.
Começo a duvidar!


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