quinta-feira, 30 de julho de 2015

11 - (Da memória) - Os rios subterrâneos

OS RIOS SUBTERRÂNEOS

Havia uma cidade do outro lado da
memória.
E os rios que corriam.                
Do outro
lado
das palavras. Havia
as tardes luminosas. Os pontos.
Os instantes por dentro dos sinais.
A árvore junto à casa. O quadro.
Os sacos de alfazema sobre a mesa.
A porta entreaberta. O sol e a sombra
na sala cheia de sua
plenitude. Havia
por detrás dos erres dobrados
o mistério dos rios
subterrâneos. Os rios que corriam
do outro lado
das imagens. Rios ocultos
rios do ser.

Rios.
Que nunca vão para outra página.
Rios das sílabas.
Do outro lado do
sentido.
Havia  o acento circunflexo. E o til
que subtilmente caía
sobre o pão.

As uvas no lagar. Os pés pisando
ao ritmo das mãos
nos ombros e das sílabad
pingando
o mosto de Setembro. E a casa
no cimo do
crepúsculo. A casa do outro
lado
das tardes. A casa em estado puro
com o seu vinho correndo para dentro
dos almudes. Do outro lado
do erre
de Setembro.

E as cadeiras. As ausências sentadas
as mãos pousadas nos braços
das cedeiras. As costas recostadas
nas costas
das cadeiras. As ausências
carregadas
de presença.

E os sinais. Os pontos obscuros. O sol
e a sombra. A plenitude. Do
outro lado das imagens. Onde tocavam
sinos. Por dentro dos erres dobrados
e talvez por baixo dos rios subterrâneos
ocultos profundos rios
que nunca vão
nunca vão para nenhum mar. 

Manuel Alegre

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