quinta-feira, 9 de novembro de 2006

110 - A tentar arranjar motivação para o que tem que ser

Abaixo el-rei Sebastião




















É preciso enterrar el-rei Sebastião
é preciso dizer a toda a gente
que o Desejado já não pode vir.
É preciso quebrar na ideia e na canção
a guitarra fantástica e doente
que alguém trouxe de Alcácer Quibir.

Eu digo que está morto.
Deixai em paz el-rei Sebastião
deixai-o no desastre e na loucura.
Sem precisarmos de sair o porto
temos aqui à mão
a terra da aventura.



Vós que trazeis por dentro
de cada gesto
uma cansada humilhação
deixai falar na vossa voz a voz do vento
cantai em tom de grito e de protesto
matai dentro de vós el-rei Sebastião.



Quem vai tocar a rebate
os sinos de Portugal?
Poeta: é tempo de um punhal
por dentro da canção.
Que é preciso bater em quem nos bate
é preciso enterrar el-rei Sebastião.

Manuel Alegre

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

109 - Quando toda a utopia é possível















Poemarma

Que o poema tenha rodas motores alavancas
que seja máquina espectáculo cinema.
Que diga à estátua: sai do caminho que atravancas.
Que seja um autocarro em forma de poema.

Que o poema cante no cimo das chaminés
que se levante e faça o pino em cada praça
que diga quem eu sou e quem tu és
que não seja só mais um que passa.

Que o poema esprema a gema do seu tema
e seja apenas um teorema com dois braços.
Que o poema invente um novo estratagema
para escapar a quem lhe segue os passos.

Que o poema corra salte pule
que seja pulga e faça cócegas ao burguês
que o poema se vista subversivo de ganga azul
e vá explicar numa parede alguns porquês

Que o poema se meta nos anúncios das cidades
que seja seta sinalização radar
que o poema cante em todas as idades
(que lindo!) no presente e no futuro o verbo amar.

Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.

Que o poema seja encontro onde era despedida.
Que participe. Comunique. E destrua
para sempre a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua.

Que seja experimentado muito mais que experimental
que tenha ideias sim mas também pernas
E até se partir uma não faz mal:
antes de muletas que de asas eternas .

Que o poema fique. E que ficando se aplique
A não criar barriga a não usar chinelos.
Que o poema seja um novo Infante Henrique
Voltado para dentro. E sem castelos.

Que o poema vista de domingo cada dia
e atire foguetes para dentro do quotidiano.
Que o poema vista a prosa de poesia
ao menos uma vez em cada ano.

Que o poema faça um poeta de cada
funcionário já farto de funcionar.
Ah que de novo acorde no lusíada
a saudade do novo o desejo de achar.

Que o poema diga o que é preciso
que chegue disfarçado ao pé de ti
e aponte a terra que tu pisas e eu piso.
E que o poema diga: o longe é aqui.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

108 - El tiempo pasa













Años
Pablo Milanés




El tiempo pasa,
nos vamos poniendo viejos
y el amor no lo reflejo, como ayer.
En cada conversación,
cada beso, cada abrazo,
se impone siempre un pedazo de razón.


Pasan los años,
y cómo cambia lo que yo siento;
lo que ayer era amor
se va volviendo otro sentimiento.
Porque años atrás
tomar tu mano, robarte un beso,
sin forzar un momento
formaban parte de una verdad.


El tiempo pasa,
nos vamos poniendo viejos
y el amor no lo reflejo, como ayer.
En cada conversación,
cada beso, cada abrazo,
se impone siempre un pedazo de temor.


Vamos viviendo,
viendo las horas, que van muriendo,
las viejas discusiones se van perdiendo
entre las razones.
A todo dices que sí,
a nada digo que no,
para poder construir la tremenda armonía,
que pone viejos, los corazones.


El tiempo pasa,
nos vamos poniendo viejos
y el amor no lo reflejo, como ayer.
En cada conversación,
cada beso, cada abrazo,
se impone siempre un pedazo de razón.
(1975)

domingo, 5 de novembro de 2006

107 - Dia de anos










Dia de Anos

Com que então caiu na asneira
De fazer na Quinta-Feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!

Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa.
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua.
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!
João de Deus

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

106 - As horas



















UM TEMPO QUE PASSOU
Chico Buarque (Brazil) - 1983

Vou
Uma vez mais
Correr atrás
De todo o meu tempo perdido
Quem sabe, está guardado
Num relógio escondido por quem
Nem avalia o tempo que tem

Ou
Alguém o achou
Examinou
Julgou um tempo sem sentido
Quem sabe, foi usado
E está arrependido o ladrão
Que andou vivendo com o meu quinhão
Ou dorme num arquivo
Um pedaço de vida, vida
A vida que eu não gozei
Eu não respirei
Eu não existia
Mas eu estava vivo
Vivo, vivo
O tempo escorreu
O tempo era meu
E apenas queria
Haver de volta
Cada minuto que passou sem mim

Sim
Encontro enfim
Iguais a mim
Outras pessoas aturdidas
Descubro que são muitas
As horas dessas vidas que estão
Talvez postas em leilão

São
Mais de um milhão
Uma legião
Um carrilhão de horas vivas
Quem sabe, dobram juntas
As dores coletivas, quiçá
No canto mais pungente que há

Ou dançam numa torre
As nossas sobrevidas
Vidas, vidas
A se encantar
A se combinar
Em vidas futuras
E vão tomando porres
Porres, porres
Morrem de rir
Mas morrem de rir
Naquelas alturas
Pois sabem que não volta jamais
Um tempo que passou

105 - tudo passa! ficam as memórias das coisas boas

1Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.
2Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
3tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar;
4tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
5tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar;
6tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora;
7tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
8tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.


Eclesiastes III

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

104 - 150 anos dos Caminhos de ferro em Portugal II
















No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormnindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão

1903 - (da Resiliência) Crónica de um dia de praia

Decidi ir à praia à tarde. Chego à Costa de Caparica e ao parque de estacionamento. Vejo muitos carros a sair; fico satisfeito por pensar ...