quinta-feira, 27 de agosto de 2009

880 - Leituras de férias I
















Dedicado ao meu avô João

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O Kazukuta
Ondjaki


Nós estávamos sempre atentos à queda das nêsperas, das pitangas e das goiabas, e era mesmo por gritarmos ou por corrermos que o Kazukuta acordava assim no modo lento de vir nos espreitar, saía da casota dele a ver se alguma fruta ia sobrar para a fome dele.
Normalmente ele comia as nêsperas meio cansadas ou de pele já escura que ninguém apanhava. Mexia-se sempre devagarinho, e bocejava, e era capaz de ir procurar um bocadinho de sol pra lhe acudir as feridas, ou então mesmo buscar regresso na casota dele. Às vezes, mesmo no meio das brincadeiras, meio distraído, e antes de me gritarem com força para eu não estar assim tipo estátua, eu pensava que, se calhar, o Kazukuta naquele olhar dele de ramelas e moscas, às vezes, ele podia estar a pensar. Mesmo se a vida dele era só estar ali na casota meio triste, sair e entrar, tomar banho de mangueira com água fraca, apanhar nêsperas podres e voltar a entrar na casota dele, talvez ele estivesse a pensar nas tristezas da vida dele.
Acho que o Kazukuta era um cão triste porque é assim que me lembro dele. Nós mesmo não lhe ligávamos nenhuma. Ninguém brincava com ele, nem já os mais velhos lhe faziam só uma festinha de vez em quando. Mesmo nós só queríamos que ele saísse do caminho e não nos viesse lamber com a baba dele bem grossa de pingar devagarinho e as feridas quase a nunca sararem. Acho que o Kazukuta nunca apanhou nenhuma vacina, se calhar ele tinha alergia ou medo, não sei, devia perguntar no tio Joaquim. Também o Kazukuta não passeava na rua e cada vez andava só a dormir mais. Sim, o Kazukuta era um cão triste.
Um dia era de tarde, e vi o tio Joaquim dar banho ao Kazukuta. Um banho longo. Fiquei espantado: o tio Joaquim que ficava até tarde a ler na sala, o tio Joaquim que nos puxava as orelhas, o tio Joaquim silencioso, como é que ele podia ficar meia hora a dar banho ao Kazukuta?
Lembro o Kazukuta a adorar aquele banho, deve ser porque era um banho sincero, deve ser porque o tio punha devagarinho frases em kimbundu ao Kazukuta, e ele depois ia adormecer. Kazukuta..., lembro bem os teus olhos doces brilharem tipo um mar de sonho só porque o tio Joaquim - o tio Joaquim silencioso - veio te dar banho de mangueira e te falou palavras tranquilas num kimbundu assim com cheiros da infância dele.
E demorou.
Nós já estávamos quase a parar a nossa brincadeira. Porque afinal a água caía nos pêlos do Kazukuta, e os pêlos ficavam assim coladinhos ao corpo, e virados para baixo como se já fossem muito pesados, e a água foi, não tinha mais, e mesmo sem fechar a torneira o tio Joaquim, com a mangueira ainda a pingar as últimas gotas dela, e no regresso do Kazukuta à casota, depois daquele abano tipo chuvisco de nós rirmos, o Tio Joaquim deu a notícia que tinha demorado aquele tempo todo para dar:
- Meninos, a tia Maria morreu.
Até tive medo, não daquela notícia assim muito séria, mas do que alguém perguntou:
- Mas podemos continuar a brincar só mais um bocadinho?
O tio largou a mangueira, veio nos fazer festinhas.
- Sim, podem.
Parece mesmo vi um sorriso pequenino na boca dele. O tio Joaquim era muito calado e sorria devagarinho como se nunca soubesse nada das horas e das pressas dos outros adultos. Às vezes ele aparecia no quintal sem fazer ruído e espreitava a nossa brincadeira sem corrigir nada. Olhava de longe como se fosse uma criança quieta com inveja de vir brincar connosco também.
O tio Joaquim gostava muito de dar banho ao Kazukuta. Um dia kazukuta estava muito velho e morreu mesmo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

879 - Le temps...

La Maison en Petites Cubes from dorsumi on Vimeo.



Descobri-o na casa da Margarida.

É, de facto, uma fabulosa e encantadora metáfora sobre o tempo

878 - 6 de Agosto de 1945, 8h15 da manhã



6 de Agosto de 1945
8 e um quarto da manhã.
Já premiste o botão
que fez descer 100 milhões de graus centígrados - morte
e erguer da terra um belo clarão
enorme e deslumbrante.
Missão cumprida.
Espera-te um país reconhecido
e mais tarde
os pés no vazio
quando souberes que
em poucos segundos, sob as tuas asas,
desde as ruas e jardins do centro
até aos campos em redor,
homens, mulheres, crianças e animais
foram varridos por um vento
que pulverizou tudo o que encontrou no seu caminho;
que alguns sobreviveram gritando queimados de morte
entre cinzas e cascalho,
que os arrozais perderam a verdura
e a relva ardeu como palha seca.
Número total de mortos: cerca de 70 000.
Um belo clarão...
enorme, sábio, deslumbrante.
A teu lado alguém pergunta:
Meu Deus, que fizemos?...

José Luís Tinoco

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

877 - Not to touch the Earth II



Once I had a little game
I liked to crawl back in my brain
I think you know the game I mean
I mean the game called go insane
Now you should try this little game
Just close your eyes forget your name
Forget the world, forget the people
And well erect a different steeple.

This little game is fun to do.
Just close your eyes, no way to lose.
And Im right here, Im going too.
Release control, were breaking through.

The doors

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

876 - Not to touch the Earth



Not to touch the Earth
Not to see the Sun
Nothing left to do, but run, run, run
Let's run, let's run

House upon the hill
Moon is lying still
Shadows of the trees
Witnessing the wild breeze
Come on, baby, run with me
Let's run

Run with me
Run with me
Run with me
Let's run!

The mansion is warm at the top of the hill
Rich are the rooms and the comforts there
Red are the arms of luxuriant chairs
And you won't know a thing till you get inside

Dead president's corpse in the driver's car
The engine runs on glue and tar
Come on along, not goin' very far
To the East to meet the Czar

Run with me
Run with me
Run with me
Let's run!

Whoah!

Some outlaws live by the side of a lake
The minister's daughter's in love with the snake
Who lives in a well by the side of the road
Wake up, girl, we're almost home

Yeah, c'mon!

We should see the gates by mornin'
We should be inside by evenin'

Sun, sun, sun
Burn, burn, burn
Soon, soon, soon
Moon, moon, moon
I will get you
Soon!
Soon!
Soon!

I am the Lizard King
I can do anything

http://www.youtube.com/watch?v=RaYxh7tCPCE

domingo, 2 de agosto de 2009

875 - Emigrante de mim



(Obs: Adaptação muito pessoal do texto de José Mário Branco - Emigrantes de quarta dimensão - truncado. Música de fundo também de José Mário Branco)


Emigrantes de quarta dimensão

Dá-me uma ajuda, ó médico das almas
para escolher em que combate combater
Quem condeno eu à vida
Quem condeno eu à morte
Que me podes tu dizer

Encostado à árvore do tempo
Folhas mortas, folhas vivas, estações
Nada disto faz sentido
E o sentido do sentido
Não paga as refeições

Este torpor só tem uma solução
Sejamos deuses, é meter as mãos à obra
E no fazendo acontecendo
Deixar ir o coração
Que é o que nos sobra

[...]

Fecha a porta que vem frio lá de fora
Diz o coxo aos despernado, e eu aqui
Fui à procura de mim
Encontrei-me mesmo agora
E ainda não fugi

O tempo corre por entre pívias e manhas
E tudo fica cada vez mais como está
Mas ao correr desta pena
Não fico à espera que venhas
Eu já sou o que virá

José Mário Branco

sábado, 1 de agosto de 2009

874 - Fui ali e já vim



O mistério da vida e a vida com mistério.
a mãe que ensina os meninos e os meninos que são ensinados pela mãe

Durasse eternamente este momento!



Porque corres tu se só tens esse caminho?
Chegar tarde ou chegar cedo importa?
Contentas-te com o caminho existente?
Será possível trilhar outro?
Porque corres?



Ah esta é óbvia: Lisboa!
Porque procuro o igual no diferente?
Não é!
E agora? fico sem rede?

























Estas são as linhas
As linhas do coração
As linhas com que te coses

Quem escolhe as cores?
Quem escolhe os motivos?
A razão ou o coração?

Onde se vende a "burda" do coração?
João P.
Ago 09

1903 - (da Resiliência) Crónica de um dia de praia

Decidi ir à praia à tarde. Chego à Costa de Caparica e ao parque de estacionamento. Vejo muitos carros a sair; fico satisfeito por pensar ...